A Cruz, o báculo, as ânforas e o bispo

Cruz | Foto: Luiz Estumano
Cruz | Foto: Luiz Estumano

Na manhã de hoje, na Catedral, foi celebrada a Missa Crismal, ocasião em que foram utilizados três objetos significativos, cujos sentidos são oportunos para o início do Tríduo Pascal.

Em primeiro lugar a Cruz, sinal máximo da entrega plena de Jesus Cristo em favor da humanidade, representada no notável cinzel de uma cruz de dois braços. Também chamada de Cruz Arquiepiscopal, o objeto utilizado tomou por base uma outra antiga cruz do acervo da Sé, sendo acrescida dos símbolos antropomórfico e zoomórficos dos evangelistas (Mateus – Homem, Marcos – Leão, Lucas – Touro, João – Águia) e do Espírito Santo (Pomba), do brasão da Arquidiocese de Belém, do brasão do Arcebispo e de um segundo braço. A origem desse segundo braço é geralmente associada ao acróstico INRI, permanecendo depois como sinal distintivo na hierarquia eclesiástica para os arcebispos, acrescida depois de um terceiro braço, relativo ao tríplice poder dos papas (Pai de Reis, Pastor do Mundo e Vigário de Cristo) e também notável no Triregnum. No centro da Cruz, o Crucificado, na oblação de Si, o que nos conduz ao segundo objeto dessa nossa breve reflexão – o Báculo.  

O primeiro a pontificar com ele foi D. Antônio de Macêdo Costa, 10° bispo do Pará, que governou a diocese entre 1860-1890. A peça foi restaurada em 2022 e recobrou o brilho e a beleza de quando o clero do Pará, por ocasião dos 25 anos de ordenação sacerdotal do então antístite, em 1882, o presenteou ao seu bispo. No objeto, como de costume, o Cordeiro domina a voluta. Sinal do pastor que conduz, o cajado que toca o chão, pelo som que faz, guia o rebanho. A figura do cordeiro sintetiza a própria história da salvação, desde os sacrifícios da antiga lei até a entrega plena do Cordeiro imolado na Cruz, prefiguração do banquete escatológico final.

Na expectativa da vida futura, chegamos ao terceiro objeto, cujo significado nos conduz como Igreja peregrina. As ânforas, usadas na Missa Crismal para benção dos óleos (Catecúmenos e Enfermos) e na consagração do Crisma, que depois são levados para todas as comunidades paroquiais, para demarcar a vida dos fiéis com a celebração dos Sacramentos. Nos objetos, se vê gravado o nome do Rei que as doou, D. João V (Joannes V D G PortugalieRex – João V, pela graça de Deus Rei de Portugal), que reinou entre 1706-1750. Desse período, é conhecido seu trabalho em diplomacia, fundando inúmeras embaixadas na Europa, bem como por ter sido um grande mecenas, sobretudo no fomento da arte religiosa. Em 1719, durante seu reinado, foi erigido o bispado do Pará, desmembrado do território da diocese do Maranhão. Quando da chegada do 1° bispo do Pará, o carmelita D. Fr. Bartolomeu do Pilar, cuja efeméride da instalação do sólio comemoramos os 300 anos em setembro do ano passado, reclamou-se da falta de “alfaias e demais objetos” para o uso no culto, ao que talvez, como resposta a esses reclames, tenham vindo de Portugal as ânforas.

A celebração foi presidida por D. Alberto Taveira, 10° arcebispo de Belém, que nos últimos 15 anos tem guiado nossa igreja particular. De seu profícuo pastoreio, destaco a incrível marca alcançada alguns anos atrás, ao criar a 100ª paróquia no território da arquidiocese; número anteriormente alcançado no pastoreio de D. Fr. Miguel de Bulhões, 3º bispo do Pará (1748-1760), em cuja época o território do bispado ia do Rio Gurupi até as fronteiras castelhanas, abarcando, portanto, toda a região amazônica.

A égide da Cruz que encima as procissões, sinal da Igreja peregrina; as ânforas com os óleos que santificam o Povo de Deus; o bispo que apascenta, guia e abençoa a sua grei. Nos dão uma instigante sobreposição de significados, sejam eles históricos/teológicos/litúrgicos/estéticos, que nos introduzem no Mistério que iremos celebrar. Que sejam dias, portanto, como muito bem frisou o arcebispo na homilia, que nos deixemos guiar pela “Palavra da Cruz” .

Feliz e Santa Páscoa!

João Antônio Lima
Professor e Historiador

Fotos: Luiz Estumano

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