Por Dom Alberto Taveira Corrêa
“O amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, seu próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto é o próprio ato de amar. Amo porque amo, amo para amar! Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu Princípio, volte à sua Origem, mergulhe em sua Fonte, sempre beba donde corre sem cansar. De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez, dar-lhe outro tanto. Pois quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque sabe que serão felizes pelo amor aqueles que o amarem”. (cf. São Bernardo de Clavaral, Abade e Doutor, Sermo 83, 4-6 in Opera Omnia – Editiones Cistercienses 2, 300-302).
Muitas vezes Jesus foi chamado de Mestre, Rabi, Rabino, e ele o é, e é mais do que isso! Os que se faziam discípulos dos Rabis se apegavam solidamente ao mandamento ou ensinamento daquele que os atraiu, com a interpretação de textos da Escritura e práticas correspondentes. Os discípulos chamados por Jesus e muitas outras pessoas do meio da multidão também desejavam saber o que este misterioso Senhor trazia como tesouro precioso em seu coração, o seu mandamento. Somente no Evangelho de São João, nos discursos da última ceia, houve o clima necessário para Jesus rasgar seu coração e oferecer-lhes o que de mais precioso trazia do Seio da Trindade: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34-35)”. Mais adiante proclama: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,12-13).
Quem deu a vida mais do que Jesus Cristo? Temos nele os efeitos de sua entrega, a salvação para a vida do mundo, assim como o exemplo admirável, a se repetir em nosso dia a dia, e este testemunho sempre será ponto de partida indispensável do anúncio do Evangelho. Estamos diante da glória de Jesus, sua entrega por infinito amor, e ninguém nos ama como ele. Sua vida é dada, amando até o fim, para ressuscitar e selar nosso caminho de salvação e graça.
Seu mandamento é novo! Egoísmo, rabugice, afirmação de si mesmo desejando dominar sobre os outros, violência, agressão e guerras, podemos fazer uma lista exaustiva de atitudes de velhice, no sentido do que ensinou São Paulo: “Precisais renovar-vos, pela transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, na verdadeira justiça e santidade. Portanto, tendo vós todos rompido com a mentira, que cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Podeis irar-vos, contanto que não pequeis. Não se ponha o sol sobre vossa ira, e não deis nenhuma chance ao diabo. O que roubava não roube mais; pelo contrário, que se afadigue num trabalho manual honesto, de maneira que sempre tenha alguma coisa para dar aos necessitados. De vossa boca não saia nenhuma palavra maliciosa, mas somente palavras boas, capazes de edificar e de fazer bem aos ouvintes” (Ef 4, 23-29). O segredo para esta vida se encontra justamente no “novo” do mandamento de Jesus, a forma de vida da Trindade!
Em qualquer parte da terra, onde este mandamento novo penetra na vida das pessoas e nas estruturas humanas, antecipam-se os novos céus e uma nova terra (cf. Ap 21,1-5). Passa o que é velho, a esperança se acende, a vida melhora, um mundo novo começa a acontecer. O amor é criativo, busca e encontra caminhos para envolver as pessoas, estabelece novas bases de relacionamento, dá o primeiro passo, acolhe a todos, sabe perdoar e superar as eventuais crises.
Para que ele se realize, é essencial compreender que o amor não é em primeiro lugar um sentimento, mas um ato de inteligência e vontade! Decidimo-nos a amar a Deus e ao próximo porque esta é a nossa natureza. Para isso fomos criados: “Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família que é a Igreja. Para tal, enviou o seu Filho como Redentor e Salvador na plenitude dos tempos. Nele e por ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos e, portanto, herdeiros da sua vida bem-aventurada” (Catecismo da Igreja Católica, 1).
E voltamos a São Bernardo de Claraval: “O amor do Esposo, ou melhor, o Esposo-amor somente procura a resposta do amor e a fidelidade. Seja permitido à amada responder ao Amor! Por que a esposa – e esposa do Amor – não deveria amar? Por que não seria amado o Amor? É justo que, renunciando a todos os outros sentimentos, única e totalmente se entregue ao amor, aquela que há de corresponder a ele, pagando amor com amor. Pois mesmo que se esgote toda no amor, que é isto diante da perene corrente do amor do outro? Certamente não corre com igual abundância o caudal do amante e do Amor, da alma e do Verbo, da esposa e do Esposo, do Criador e da criatura; há entre eles mesma diferença que entre o sedento e a fonte. E então? Desaparecerá por isto e se esvaziará de todo a promessa da desposada, o desejo que suspira, o ardor da que a ama, a confiança da que ousa, já que não pode de igual para igual correr com o gigante, rivalizar a doçura com o mel, a brandura com o cordeiro, a alvura com o lírio, a claridade com o sol, a caridade com aquele que é a caridade? Não. Mesmo amando menos, por ser menor, se a criatura amar com tudo o que é, haverá de dar tudo. Por esta razão, amar assim é unir-se em matrimônio, porque não pode amar deste modo e ser menos amada, de sorte que no consenso dos dois haja íntegro e perfeito casamento. A não ser que alguém duvide ser amado primeiro e muito mais pelo Verbo”. São Bernardo de Clavaral, Abade e Doutor, Sermo 83, 4-6 in Opera Omnia (Editiones Cistercienses 2, 300-302)