Foto: Luiz Estumano
Foto: Luiz Estumano

Monsenhor Ronaldo Menezes – Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação

Um assunto que sempre vem à tona por ocasião do Círio é a virgindade de Maria, que a Igreja define como perpétua, e disto não temos nenhuma dúvida. Onde está a base desta afirmação de fé? Na Sagrada Escritura, é claro. A concepção virginal de Jesus é um dado bíblico inquestionável. Os Evangelhos contam: a situação matrimonial de Maria com José atendia a primeira parte do matrimônio judeu, e Maria não convivia com José.

Apenas no segundo ato do matrimônio a noiva era levada, solenemente, e introduzida na casa do esposo. Maria ficou grávida, por ação divina, enquanto estava na casa de seus pais, e não na casa de José. Ninguém pode dizer, portanto, que Maria não era virgem quando concebeu o Verbo divino, de modo extraordinário, por ação de Deus. José soube deste modo da concepção pelo Anjo do Senhor, que lhe apareceu em sonho e lhe disse que tomasse Maria como esposa e a levasse para casa. Alguns, citando também o mesmo texto de São Mateus, apegam-se ao versículo onde se diz que José não “conheceu” Maria “até o dia em que ela deu à luz um filho”, no intuito de negar sua perpétua virgindade. Certamente que não desconhecemos que o verbo “conhecer” pode também, na linguagem bíblica, significar relações matrimoniais (como em Gênesis 4,1.17), mas não só isso. Esta frase afirma, novamente, a virgindade de Maria antes da concepção de Jesus, mas, embora não fale, explicitamente, noutras passagens da sua virgindade, como alguns desejariam, tampouco a nega. Ou seja, a virgindade perpétua de Maria nós a depreendemos do restante do Evangelho e da firme e sólida Tradição da Igreja. Além disso, a frase por si só não significa que Maria teria tido outros filhos, depois do nascimento de Jesus. Se assim pensarmos, teríamos que admitir, por exemplo, que Micol teria tido filhos depois de sua morte, pois o texto do 2º livro de Samuel diz o seguinte: “E Micol, filha de Saul, não teve filhos até o dia de sua morte” (2Sm 6,23). Comparada com a citação de São Mateus, não é diferente: “Mas (José) não a conheceu (Maria) até o dia em que ela deu à luz um filho” (1,25). Então, nada de afirmar o que o texto não diz.

Quanto aos chamados “irmãos de Jesus”, como aparece em vários textos dos escritos do Novo Testamento, o termo para “irmão”, na Bíblia, não é usado apenas para designar irmão de sangue, mas também para parentes próximos e mesmo parentesco mais amplo (cf. Gn 13,8; 29,15; Lv 10,4; Tb 7,2). Não me deterei neste ponto, porque não é este o lugar para estudo do tema. Importa aqui o ensinamento para a doutrina acerca da Mãe de Jesus, e nós o temos. 

Primeiro, que a Mãe de Jesus concebeu, virginalmente, e a concepção foi de modo extraordinário, portanto uma ação soberana de Deus, um ato criador, pela força e pelo poder do Espírito Santo. Depois, Maria é mãe de um único filho, Jesus Cristo, e não teve outros filhos; embora alguns textos do Novo Testamento falem de “irmãos de Jesus”, em nenhuma parte se diz que esses “irmãos de Jesus” sejam filhos de Maria; ademais, podemos identificar as mães deles todos. E ainda, a maternidade de Maria é uma maternidade messiânica, pois ela deu à luz o Messias anunciado pelo profeta Isaías, o Emanuel – O Deus conosco, que veio salvar o seu povo dos seus pecados. A promessa do Emanuel se cumpriu com o nascimento de Jesus, o Deus que salva o seu povo. A maternidade de Maria é, igualmente, uma maternidade divina, pois o que ela gerou no ventre é o próprio Filho de Deus, o unigênito do Pai.  

No Círio, enquanto caminhamos em procissão, em cada uma delas, desde a sexta-feira, quando a imagem da Virgem é levada para Ananindeua, passando por diversas paróquias, indo ao encontro dos fiéis, mas, principalmente, na trasladação e na romaria da manhã do domingo, proclamamos esta glória da Mãe do Salvador, sua virgindade perpétua, sua maternidade divina, o seu ser voltado para todos os filhos que recebeu do alto da Cruz, quando Jesus lhe disse: “Eis o teu filho”, confiando João a ela e nele todos e cada um de nós. 

Com toda segurança, podemos afirmar, com base em textos sagrados, que a veneração que temos e nutrimos pela Mãe de Jesus não é de agora, mas suas raízes estão na origem da própria Igreja, na primitiva comunidade cristã. Veja, por exemplo, o testemunho de São Lucas, no relato de uma mulher anônima, que diz a Jesus: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram” (11,27). Seguramente, é o eco da devoção de que a Mãe do Senhor era objeto no seio da comunidade, que guardou este testemunho. A reação de Jesus, ao contrário do que alguns pensam e afirmam, não é uma desaprovação, senão a confirmação de que Maria, sua mãe, foi a primeira a ouvir com obediência a Palavra de Deus e a praticar, como escutamos de sua própria boca ao Anjo: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra” (Lc 1,38). Portanto, Jesus aceita o elogia que se faz de sua mãe pelo que lhe é de mais sagrado como mãe: o ventre e os seios que amamentam e preservam a vida. 

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