
Monsenhor Ronaldo Menezes – Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação
É sempre emocionante ler o relato da anunciação, feito por São Lucas, conferir as inúmeras referências bíblicas do Antigo Testamento, pensar nas cenas, imaginar como terá sido aquele encontro do Anjo Gabriel com a Virgem Maria, na pequena e até então pouco importante Nazaré (Jo 1,46). O evangelista afirma, como Mateus, que Maria era virgem, e desse encontro inusitado, único, sobressaem em Maria duas coisas que irão permanecer na vida da Igreja, o Corpo de Cristo, como caminho necessário: o ouvir a palavra de Deus e a prática dessa palavra são indissociáveis, não podem andar separados.
No encontro com o Anjo do Senhor, Maria ouve a saudação inusitada; o Anjo do Senhor chama Maria de “Cheia de graça” – e não com seu nome próprio, no sentido de que ela é objeto do favor do Deus que é, permanentemente, fiel em seu amor. É desse amor fiel que Maria está completa e, perfeitamente, cheia. Então, “Cheia de graça” é o novo nome de Maria, e esse nome ela o recebe, diretamente, de Deus. Com este novo nome, Maria toma conhecimento de que a missão para a qual foi eleita é, de fato, como a porta do céu que se abre, introduzir na história dos homens a própria Graça, o Filho eterno do Pai. A segunda leitura da Missa da noite de Natal, extraída da Carta de São Paulo a Tito, diz, exatamente, isto: que a Graça de Deus nos foi dada, e nós temos consciência de que esta Graça nos veio por Maria.
Do evento da anunciação, no qual o Anjo do Senhor se encontra com Maria, origina-se a condição primordial de Maria: mãe de Jesus. Além dos dados da fé bíblica, também, historicamente, Maria é a Mãe de Jesus. A partir desta constatação histórica, a fé bíblica emerge com todo fulgor, pois Maria, a Mãe de Jesus, é a Mãe de Cristo e é, com toda a força que este título evoca, “a mãe do Senhor”! Esta foi a aclamação de Isabel ao receber a visita de Maria em sua casa, um misto de espanto e de alegria: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?” (Lc 1,43). O título de “Senhor” é aplicado a Jesus Ressuscitado, como em Atos 2,36 e Filipenses 2,11. A citação de São Lucas é o eco da veneração da Mãe de Jesus na comunidade primitiva, da qual somos herdeiros.
Volto ao Anjo do Senhor que diz à Maria: “O Senhor está contigo”. Poderíamos dizer que esta expressão do Anjo é uma fórmula, pois encontramos em outros lugares, o Anjo a lhe dizer que o Senhor Deus estará com ela de modo especialíssimo, para que ela realize a obra mais admirável que o mundo jamais conhecera; por meio dela, o próprio Deus virá visitar o seu povo, ou melhor dizendo, usando a expressão de São João no Prólogo do seu Evangelho: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”, isto é, fez sua morada no meio de nós, onde armou a sua tenda. Porque Maria disse sim a Deus, o longo tempo da espera do Messias terminou, como dirá São Paulo na Carta aos Gálatas: “Quando, porém, chegou à plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher” (4,4). Os séculos todos, o caminhar de tantas pessoas na fé, uma peregrinação que parecia eterna, sem fim, chega ao seu termo quando Maria acolhe em seu ventre o Verbo da vida. No Círio, quando vejo milhares de pessoas em peregrinação, em carros, motocicletas, bicicletas, sobretudo a pé; quando sei de caravanas enormes saídas de várias cidades do estado, pessoas de todas as idades, jovens em quantidade, cantando, rezando, animados, recordo este tempo de espera que terminou, e agora podemos cantar todos juntos, com júbilo, agradecendo aquela que nos deu o Salvador, a Virgem Maria. O nosso cantar, portanto, é um cântico de orgulho, de gratidão, de louvor à Mãe do Salvador, e para nós jamais será motivo de vergonha ou de constrangimento. Caminhar com a Mãe de Jesus é uma honra. O Círio é uma expressão genuína da fé no filho que Maria gerou no seu ventre, e nós a honramos por esse motivo.
Creio que falamos pouco destes aspectos bíblicos na sua singularidade, para dizer que tudo o podemos afirmar da Mãe do Filho de Deus está nos Evangelhos, e Maria Santíssima não precisa de muito além disso. Nesses pequenos textos que lemos e meditamos está a glória de Maria. Os demais ornamentos são apenas flores que nós, filhos, plantamos no seu jardim e, certamente, não a desmerecem. Gosto de pensar, como pensam os filhos, que ela também gosta de receber o perfume de nossas rosas. Gosto de continuar ouvindo as palavras, sempre atuais do Anjo Gabriel à jovem de Nazaré: “Alegra-te, Cheia de graça”, e “o Senhor está contigo”, porque nelas está a vontade soberana de Deus, que quer a nossa salvação. Aí penso na Virgem, que não pôs obstáculo à vontade e ao querer divinos, porque “Jesus”, nome que dará ao seu Filho, é a própria salvação.
O Círio se torna, assim vivido, com a consciência clara de que Maria é a Mãe do Filho de Deus, uma grande catequese sobre a própria salvação, pois esta é a vontade de Deus a nosso respeito.