
A Caminhada pelos Mártires da Casa Comum aconteceu ontem (12) em Belém (PA). A caminhada homenageou Chico Mendes (1944-1988), seringueiro, sindicalista e ativista ambiental; irmã Dorothy Stang (1931-2005), missionária norte-americana morta em Anapu (PA); os indígenas Yanomamis; Margarida Maria Alves (1933 -1983), trabalhadora rural e sindicalista morta em Alagoa Grande (PB); e o bispo Óscar Romero (1917-1980). Morto por ódio à fé em El Salvador, Romero é o único santo canonizado do grupo. A caminhada foi uma das atividades paralelas à COP30 organizadas pela Articulação Igreja Rumo à COP 30.
A articulação Igreja Rumo à COP30 tem como objetivo promover a “o cuidado com a Casa Comum, a Ecologia Integral e a Justiça Climática”, diz o seu site. É coordenada pela CNBB junto com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o Movimento Laudato Si’, a Cáritas Brasileira e a Rede Eclesial Pan-Amazônica – Brasil (REPAM).
A concentração foi na Praça Santuário de Nazaré e o percurso terminou na Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, com a celebração da missa pelo arcebispo de Porto Alegre (RS), cardeal Jaime Spengler, presidente da CNBB. Cerca de 40 bispos do Brasil, de outras regiões da América, da Ásia, África e Europa concelebraram a missa.

Os fiéis fizeram a caminhada pelas ruas de Belém com velas acesas nas mãos, cantaram, rezaram e escutaram leituras sobre a vida das cinco pessoas chamadas de mártires pela organização. Um grande pano azul foi carregado durante toda a caminhada, como símbolo da água. Uma bandeira com a imagem do papa Francisco foi levada por uma pessoa e uma mulher com perna de pau caminhou segurando um quadro com a foto do papa Leão XIV abençoando um bloco de gelo proveniente da Groenlândia.
A imagem de Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazônia, foi a frente da caminhada em um andor carregado por alguns bispos e padres.
“Deus da Vida e do Amor, Trindade Santa: Em Irmandade com os Mártires da Caminhada da Nossa América vos louvamos e agradecemos pela força que derramastes em seus corações para darem a vida e a morte pela Vida, no Amor”, diz o texto lido na caminhada, enviado à ACI Digital pelo Movimento Laudato Si’.
A Irmandade dos Mártires da Caminhada, citada no texto, foi criada em 2001 quando se comemorou 25 anos da morte do missionário jesuíta João Bosco Penido Burnier. Ele foi morto em 1976 pela polícia militar em Ribeirão Bonito, dentro da Prelazia de São Félix do Araguaia, quando ele e o bispo Pedro Casaldáliga, um dos mais importantes defensores da Teologia da Libertação na hierarquia da Igreja no Brasil, tentavam ajudar duas mulheres que estavam sendo torturadas pelos mesmos policiais. Por causa da morte dele, foi construído no local, hoje cidade de Ribeirão Cascalheira (MT), o Santuário dos Mártires da Caminhada.
Segundo seu site, os Mártires da Caminhada são “uma comunhão de afeto e de compromisso entre todas as companheiras e os companheiros que comungam da memória de nossos mártires e das causas de seus martírios: familiares, membros de uma mesma entidade ou militância, grupos solidários da América ou de outros continentes”.
“Como Jesus foram fiéis até o fim e deram a prova maior Por ele e com Ele, venceram o pecado, a escravidão e a morte e vivem gloriosos, sendo páscoa na Páscoa”, continua o texto lido na caminhada.
Embora chamados de mártires, o único deles reconhecido como tal pela Igreja foi santo Óscar Arnulfo Romero que teve o seu martírio reconhecido pelo papa Francisco em 2015, o que possibilitou a sua beatificação no mesmo ano. Ele foi baleado enquanto celebrava a missa em meio ao começo de uma guerra civil entre a guerrilha de esquerda e o governo ditatorial de direita. Ele foi canonizado em 2018, pois foi reconhecido um milagre por sua intercessão.
“Romero se tornou uma voz para os pobres e marginalizados, criticando a violência e a repressão do governo e dos grupos paramilitares”, diz o roteiro lido em Belém. “O assassinato de Romero foi um ato de violência política que chocou o mundo e solidificou seu lugar como mártir”.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “o martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade”. Apesar disso, o texto lido na celebração em Belém chama Jesus Cristo de mártir. O mártir “dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza”, diz ainda o Catecismo.
Nenhum dos mencionados, salvo santo Óscar Romero, morreu por defender a fé. Margarida Maria Alves foi morta por causa de sua “defesa das terras e da dignidade do povo”. Os Yanomamis, um dos maiores povos indígenas da Amazônia não professam a fé católica. O texto lido cita a violência de garimpeiros e invasores contra eles, o que resulta em violência e morte.
A irmã Dorothy Stang, da Congregação das Irmãs de NotreDame de Namur, foi uma “defensora incansável dos direitos dos camponeses e da preservação da floresta amazônica” e morreu por causa de “denúncia de crimes ambientais e conflitos agrários”.
O último homenageado, Chico Mendes, “foi assassinado em 1988 por fazendeiros que se sentiam ameaçados por suas ações em defesa da floresta e dos povos da região”.

Conversão interior diante da crise climática, pede dom Jaime
A caminhada terminou com a missa celebrada na basílica Nossa Senhora de Nazaré pelo cardeal Jaime Spengler e concelebrada por cerca de 40 bispos e 20 padres.
“É urgente rever, avaliar e reavaliar a qualidade de nossas relações: conosco mesmos, com as outras pessoas, com Deus e com o mundo ambiente”, disse dom Jaime. “A questão das mudanças climáticas, da urgência de revisão do modelo energético dominante tem a ver com a qualidade das relações”.
“O cultivo de relações saudáveis é o caminho para fazer frente aos desafios atuais; disto depende o futuro das próximas gerações, do planeta. Para curar as relações é necessário abertura de mente e coração, generosidade e humildade para reconhecer a necessidade do perdão e suplicá-lo”, continuou dom Jaime.
“O cuidado da vida requer atenção e pressa”, disse ele ao comentar o Evangelho de ontem. “Como José foi exortado a levantar-se, também nós o somos. Como Maria soube dispor-se para apressadamente ir ao encontro da prima, também nós somos convidados a responder à altura dos desafios do tempo presente. O planeta urge; a vida precisa de cuidado”.
Fonte: ACI Digital / Por Nathália Queiroz



