
Dom JulioEndiAkamine, SAC – Arcebispo Metropolitano de Belém
Tem havido entre os católicos uma revalorização da Indulgência como prática cristã muito desejada. Para que esse desejo seja, pastoralmente, bem orientado e esteja enraizado no Evangelho e na Sagrada Tradição é necessário um esclarecimento doutrinal a fim de evitar tanto os abusos, que já ocorreram no passado, quanto o seu descrédito.
A Indulgência“é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (can. 992).
Para compreender essa definição, deve-se ter presente que o pecado grave tem uma dupla consequência. Ele nos priva da comunhão com Deus e, portanto, nos priva da vida eterna: é o que se chama “pena eterna”. Além dela, todo pecado, mesmo o venial, traz consigo um apego desordenado aos bens temporais e, no caso do pecado mortal, uma ruína em nós e no ambiente em que vivemos. Essas penas são chamadas “temporais” e precisam de ser eliminadas nesta vida ou depois da morte, no estado que se chama Purgatório.
As penas – eterna e temporais – são superadas com a ajuda da graça de Deus mediante a penitência. Assim, as penas não devem ser consideradas como uma espécie de vingança, infligida do exterior por Deus, mas como decorrentes da própria natureza do pecado.
O arrependimento perfeito (a contrição), o perdão do pecado (sacramento da confissão) e o restabelecimento da comunhão com Deus trazem consigo a abolição da pena eterna, mas não das penas temporais. Essas penas temporais também não devem ser entendidas como castigos que Deus impõe ao pecador, mas como consequências dolorosas do pecado, que o perdão divino não remove de maneira pura e simples. Por exemplo, o fato parar de beber não cancela as consequências do alcoolismo. De maneira semelhante,o perdão dos pecados não remove, automaticamente,as penas temporais.O cristão, no entanto, deve se esforçar em aceitar, como uma graça, as penas temporais do pecado, suportando, pacientemente, os sofrimentos e as provações de toda a espécie e, chegada a hora, enfrentando, serenamente, a morte.
Para que o penitente possa receber, além da remissão da pena eterna, também a das penas temporais, a Igreja, pelo seu poder de “ligar e desligar”e de “perdoar pecados” (Mt 16,19;18,18; Jo 20,23), oferece a Indulgência que é exatamente a remissão das penas temporais.
A Indulgência, uma vez que pode ser recebida para si mesmo ou para os falecidos, nos mostra que o cristão que procura se purificar do seu pecado e se santificar com a ajuda da graça de Deus nunca está só nesse seu combate penitencial. “A vida de cada um dos filhos de Deus está ligada de modo admirável, em Cristo e por Cristo, à vida de todos os outros irmãos cristãos, na unidade sobrenatural do corpo Místico de Cristo, como que numa pessoa mística” (Paulo VI, Indulgentiarumdoctrina). Em outras palavras: na Igreja ocorre um intercâmbio maravilhoso pela comunhão dos cristãos com Cristo; nessa comunhão cada um se beneficia da santidade dos outros para muito além do dano que o pecado de um tenha podido causar nos outros. Se é verdade que o pecado não só causa ruína no próprio pecador, mas também no seu ambiente e nas outras pessoas, com muito mais razão, a santidade dos cristãos, por causa de sua união com Cristo, estende os seus efeitos benéficos para os outros e o seu ambiente.
A partir disso fica mais claro o que não é Indulgência.
Indulgência não um passaporte para chegar diretamente ao céu ou uma forma mais fácil de arrancar um parente ou amigo do purgatório. Não é um caminho alternativo, inventado pela Igreja, à redenção realizada por Cristo. Ela não age magicamente, como se a realização de algumas obras garantisse a salvação. Tampouco é um meio automático e sem esforço de o pecador se ver livre das penas temporais.
Para receber a Indulgência, há condições que são: a confissão sacramental, a comunhão eucarística e o total desapego do pecado, inclusive do venial. Isso é muito exigente e implica um empenho decidido na luta contra o pecado. Não é algo que se consegue sem a graça de Deus, nem torna dispensável a redenção de Cristo. As obras piedosas – as orações, a peregrinação, a visita aos santuários, os jejuns, as esmolas, as obras de misericórdia – são apenas ocasião, ou por assim dizer, um complemento. Sem firme propósito de conversão, sem verdadeira mudança de vida, sem união com Deus, sem penitência interior, sem estado de graça, não há remissão das penas!



