Maria nas bodas de Caná – a Intercessora

Monsenhor Ronaldo Menezes – Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação

Em muitas ocasiões na Igreja, lemos o relato das bodas de Caná, quando Jesus realizou o seu primeiro milagre, segundo São João. Sobre este relato, escrevi um pequeno guia de espiritualidade conjugal para os casais da paróquia, realçando alguns pontos que considerei importantes para a vida matrimonial. Caná era uma localidade situada a uns 13 km ao norte de Nazaré. Maria, a Mãe de Jesus, estava presente nesse casamento, talvez como convidada ou, quem sabe, conhecesse uma das famílias e, ali, foi para ajudar nos preparativos da festa. Para além de toda explicação casual, o matrimônio era símbolo dos tempos messiânicos. 

Maria, a Mãe de Jesus, é uma personagem relevante no casamento de Caná, e São João a cita em primeiro lugar, como se quisesse acentuar sua presença. Salta aos olhos o diálogo entre mãe e filho, a mãe dizendo ao filho que o vinho faltou: “Eles não têm mais vinho”, diz Maria a Jesus. Maria não pede, explicitamente, a Jesus um milagre; apresenta-lhe um problema real que os nubentes estão vivendo. Mas nesta observação, Maria demonstra esperança e confiança em Jesus. Aliás, extrema confiança.  

Creio que todos conhecemos o simbolismo do vinho, especialmente neste casamento em Caná da Galileia. Se nos profetas o vinho simboliza a alegria e a felicidade pela futura restauração promovida por Deus na vida do seu povo, agora ele é a imagem da realização dessa antiga promessa de restauração promovida por Deus na pessoa de Jesus Cristo. É possível que a Mãe de Jesus tenha percebido apenas a falta de vinho e sabia dos transtornos que isso causaria num ambiente de festa; a ação de Jesus, porém, significa muito mais, pois nele já se manifesta a restauração da esperança no povo santo de Deus e a constituição do novo povo de Deus, o povo da Nova Aliança, ou seja, a Igreja. 

Há quem dê maior importância no diálogo entre Maria e Jesus, ela dizendo que não há mais vinho, ele dizendo “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. Alguns interpretam a frase de Jesus como se fosse um tipo de repreensão, ou um sinal de afastamento dos laços maternos, ou da influência da sua mãe. Nada disso! Esta é uma forma bíblica de falar, uma linguagem bastante conhecida, que, antes de manifestar oposição, significa concordância entre duas pessoas, harmonia de entendimento sobre determinado assunto. Você pode ler o relato que envolve Jefté e o rei dos amonitas em Juízes 11,12; e o diálogo entre Davi e Absaí no 2º livro de Samuel 19,23; ou ainda o diálogo entre o profeta Elias e a viúva de Sarepta no 1º livro dos Reis 17,18. É possível que se veja uma certa tensão no diálogo entre Maria e Jesus, mas é a tensão própria da liberdade e da confiança. Na resposta de Jesus não há, portanto, afastamento ou oposição à sua Mãe. Jesus parece dizer que, por causa desse pedido inusitado, ele está disposto a antecipar a sua Hora, ou seja, a sua inteira glorificação, que se dará, plenamente, na crucificação – morte e ressurreição. São João realça então a função intercessora da Mãe de Jesus. 

E me detenho, por fim, na palavra da Virgem aos serventes da casa: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Na voz da Mãe de Jesus há a ressonância de uma antiga fórmula que encontramos no Antigo Testamento para ratificar a Aliança do Sinai e renovar o compromisso com Deus. Recordo este aspecto, constantemente, na paróquia com a comunidade de fé; relembro alguns personagens e heróis da nossa fé, falo de Josué em Siquém (Js 24). Trago sempre de volta a palavra do Pai na teofania do Monte Tabor: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; ouvi-o” (Mt 17,5). Maria retoma a história do seu povo, que deve escutar a Deus (este é, aliás, o credo hebreu – Escuta, Israel), e traz para si toda a vida da Igreja nascente convidando-a a jamais deixar de ouvir o seu Filho. Este é o nosso compromisso com Jesus: escutá-lo sempre! É também o desejo da Mãe de Jesus que o escutemos. 

Penso, então, que o fiel católico, ao expressar sua devoção à Mãe de Jesus, não pode ater-se apenas ao sentimento próprio de toda devoção, mas ter clara a razão dessa devoção, o motivo real, bíblico, de cantarmos à Virgem, de rezarmos a ela, de lhe devotarmos tanto carinho, de sairmos com sua imagem à rua, ou às ruas, às casas. Para darmos este testemunho, devemos estar sempre prontos! Isto evita a tentação de fazermos, por exemplo, de uma grande manifestação de fé palco para apresentação pessoal, deixando Deus em algum canto escuro, onde a fé não tem lugar nem pode iluminar. 

Compartilhe essa Notícia

Leia também