
Monsenhor Ronaldo Menezes – Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação
Enquanto me sento para escrever estas anotações sobre a Mãe de Jesus a partir dos textos bíblicos do Novo Testamento, me vejo em discussões sobre a Nota Mariológica do Dicastério para a Doutrina da Fé, saída há poucos dias. No próximo ano, em março, está marcado um simpósio promovido por nossa Faculdade Católica, para estudo deste documento do Magistério da Igreja. Li o texto e não vi nada demais contra o culto à Mãe do Senhor. Mas ele precisa ser estudado, para se evitar más interpretações e a impressão de que a Igreja está cedendo a pressões. Nada disso; aliás, ainda que o que não precisa ser dito não deve ser dito acerca da devoção mariana, é inegável que da Mãe do Senhor nunca dizemos o bastante.
Diante das muitas perguntas vindas dos fiéis, e sem nenhuma outra preocupação, pensei em escrever sobre um texto do Evangelho, que muitas pessoas se perguntam se não seria contrário à Nossa Senhora. Ele aparece nos três Evangelhos Sinóticos (Mc 3,20-21.31-35; Mt 12,46-50; Lc 8,19-21). Vou pôr abaixo a versão de São Marcos, e não tocarei nas diferenças entre os evangelistas; deixo para os especialistas. Então, vamos ao que escreveu São Marcos:
“E voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou, de tal modo que eles não podiam se alimentar. E quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: “Enlouqueceu!”
“Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando do lado de fora, mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada em torno dele. Disseram-lhe: “Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram”. Ele perguntou: “Quem é minha mãe e meus irmãos?” E, repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: “Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe”.
Os motivos da incompreensão de alguns membros do clã de Jesus não são poucos: desde o batismo no Jordão, Jesus mudou radicalmente sua vida; saiu a pregar, a falar sobre a chegada iminente do Reino de Deus, a expulsar Demônios, a curar doentes de todas as doenças do corpo e da alma, a reunir discípulos. Ou seja, não era mais o mesmo Jesus que todos conheciam. Os comentários não deviam ser poucos por esse comportamento invulgar de Jesus, e isso, certamente, chegou aos ouvidos de seus familiares, e os inquietou. Não penso ser estranho as críticas contra um familiar não impactarem na família. É natural em todas as famílias, também na de Jesus. O que fez Maria, a mãe de Jesus? Vai ao encontro do seu filho, como toda mãe iria.
O que houve com Jesus? Depois de ter escolhido os Doze, conta-nos São Marcos, Jesus voltou para casa; se desceu da montanha, é porque queria ficar perto das pessoas, aproximar-se sempre delas. Os “seus”, os que “ele queria”, são os Doze, e estes se diferenciam, por ora, daqueles que o rodeiam em busca de alento, de milagres, de comida. As necessidades imediatas dos homens não passam despercebidas de Jesus. Também é importante notar que os seguidores de Jesus naquele momento, os que ele chamou para si, não são, primeiramente, os membros de sua família extensa, o clã. Todos conhecem Jesus, o filho de Maria, mas só Maria sabe quem é o seu filho, a maneira insólita que o concebeu e a missão para a qual ele foi enviado ao mundo. Portanto, nada alarmante o juízo equivocado que os familiares de Jesus têm sobre ele, porque desconhecem quem é, verdadeiramente Jesus, nada sabem a seu respeito. Vendo-o em uma atividade excessiva pela pregação, sabendo das suas andanças, das coisas que anda fazendo, imaginam-no enlouquecido. O texto de São Marcos, porém, fala da incredulidade de membros da família de Jesus, mas não da suposta incompreensão de Maria, ainda que ela possa tê-los acompanhados, se é que o fez; o texto não diz isso, isto é, que Maria foi até Jesus com essa intenção, de contê-lo. Esta atitude de incompreensão de alguns é parecida a da visita de Jesus a Nazaré, que lemos no capítulo 6. Ao que parece, muitas pessoas querem compreender Jesus com categorias humanas, como se Deus fosse um estrangeiro entre nós. Recordo-me aqui da expressão entristecida de São João, no prólogo do seu Evangelho, quando diz que o Verbo encarnado “veio para o que era seu e os seus não o receberam” (Jo 1,11).
O segundo texto, como está acima, diz respeito a uma doutrina nova na qual o Senhor Jesus anuncia não o seu rompimento com os laços naturais de família, como alguns pretendem, muito menos com sua mãe, mas proclama que os seus discípulos, os que o seguirem e lhe forem fiéis e perseverantes, serão sua nova família. Passar de uma situação particular e natural, como a família original, para ensinar algo superior, é um método usado por Jesus também em outras circunstâncias, como no uso das parábolas, por exemplo. Sem ir muito longe, você pode ler Lucas 2,49 – quando Jesus passa de uma realidade (o templo de Jerusalém) para outra, a causa de Deus. Neste caso específico, os parentes são aqueles que têm a mesma origem, o mesmo sangue. Jesus colocará outra qualidade, outra característica para ser seu familiar – isto é, não tanto os laços sanguíneos, mas agora o fazer a vontade de Deus. Fazer, portanto, a vontade de Deus é o sinal distintivo da nova família de Jesus, da qual, certamente, Maria foi o primeiro e o mais eminente dos membros. São Lucas nos conta que à visita do Anjo Gabriel, que lhe comunica a encarnação do Filho de Deus em seu ventre, a resposta da Virgem é simples e direta: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra!” (Lc 1,38).
Neste texto específico, São Marcos diz que a mãe de Jesus, Maria, e “seus irmãos”, isto é, primos de Jesus, e não irmãos de sangue ou outros filhos de Maria, desejam vê-lo. Estes não parecem ser os mesmos que um pouco antes pensaram que Jesus tinha enlouquecido. Maria não pensa assim, nem os primos de Jesus. Estes estão em Cafarnaum para ver Jesus, para o encontrarem. A resposta de Jesus, ao ser avisado da presença de sua mãe e de seus parentes, não é de repúdio, mas uma postura que demonstra sua total entrega à missão para a qual foi enviado. Maria não ignora a missão de Jesus. É compreensível, então, que Jesus priorize sua família espiritual, que ele está constituindo em sacrifício de sua família natural; a esta “nova família” ele a chama de “mãe e irmãos”, porque o estão escutando, atentamente.
No que diz respeito à Mãe do Senhor, não vejo por que a resposta de Jesus lhe seria demérito. Ao contrário. Quem foi que, ao ouvir a palavra do Anjo Gabriel comunicando a encarnação do Verbo divino, disse: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra!”? Foi Maria. Se lermos São Lucas 8,21, o mesmo relato, ele diz: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põe em prática”. Maria está, portanto, em primeiríssimo lugar entre todos os que fazem, ou escutam e põem em prática a palavra de Deus. Maria é a primeira discípula do seu Filho, a primeira e a sua mais fiel seguidora. Logo, o texto, lido no conjunto da Escritura Sagrada, é um enorme elogio à Virgem Maria, a Mãe do Salvador, porque sua resposta a Deus foi um ato de profunda obediência aos desígnios e à vontade soberana de Deus. Jesus é, certamente, o Filho obediente ao Pai; Maria é a que mais se assemelha a Jesus, por jamais desobedecer a vontade de Deus.



