Maria no Antigo Testamento?

Monsenhor Ronaldo Menezes – Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação

 No título deste artigo, pus uma interrogação, perguntando se é possível vislumbrar a Mãe do Salvador nos escritos do Antigo Testamento. Para nós, católicos, esta é uma questão pacífica, pois identificamos figuras, modelos, ou tipos como alguns costumam chamar personagens que nos remetem à futura mãe do Salvador. A liturgia é pródiga em exemplos, nos textos que lemos em muitas celebrações e festas marianas. No tempo do Seminário, estudei este assunto com grandes mestres, como o Frei Rogério Beltrami e o padre Vicente diSchiena, homens sábios e de profundo amor à Virgem Maria.

Todos sabemos que o Antigo Testamento é o relato da história do povo de Deus e narra a ação de Deus em previsão da vinda do Messias, em quem temos a salvação. Ora, é em vista da vinda do Messias que o Deus todo-poderoso também prepara uma mãe que fosse digna dele. Mas, para compreendermos este desenvolvimento dos desígnios divinos, creio que devemos passar do sentido literal dos textos sagrados para o sentido pleno e profundo dos mesmos textos; eles nos dirão muito mais do que a simples leitura histórica nos apresenta. O número 55 da Constituição sobre a Igreja “Lumen Gentium” nos esclarece sobre este tema, e eu tomo a liberdade de o citar, textualmente:

“A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo, progressivamente, mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando, lentamente, a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. A esta luz, Maria encontra-se já, profeticamente, delineada na promessa da vitória sobre a serpente (cf. Gn. 3,15), feita aos primeiros pais caídos no pecado. Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emmanuel (cf. Is. 7,14; cf. Miq. 5, 2-3; Mt. 1, 22-23). É a primeira entre os humildes e pobres do Senhor que, confiadamente, esperam e recebem a salvação de Deus. Com ela, enfim, excelsa Filha de Sião, passada a longa espera da promessa, se cumprem os tempos e se inaugura a nova economia da salvação, quando o Filho de Deus dela recebeu a natureza humana, para libertar o homem do pecado com os mistérios da Sua vida terrena”.

O que o texto acima nos diz é claríssimo: Sim, há um sentido mariano, profético, em todas as passagens citadas desde o livro do Gênesis, passando pelos profetas Isaías e Miquéias, por exemplo. As promessas de Deus relativas à nossa salvação cumprem-se quando o tempo de espera se completa e termina, como afirma São Paulo na sua Carta aos Gálatas. Em outras palavras, nesses textos bíblicos, a Virgem Maria aparece, profeticamente, anunciada, isto é, não são acomodações litúrgicas, mas têm um sentido verdadeiro. Maria é a mulher anunciada no livro do Gênesis, cuja linhagem, o Messias, que dela nascerá, vencerá a Serpente e derrotará Satanás para sempre, e é a virgem de quem fala o profeta Isaías e a qual Miquéias chama de “a parturiente” numa referência clara ao nascimento do Messias. Então, a resposta à pergunta do título do artigo é simples: Maria está, sim, anunciada no Antigo Testamento, em seu sentido pleno e profundo, além daquele literal e histórico, imediatamente.

Esta conclusão, aparentemente simplista, parece-me coerente com a fé que professamos. A leitura canônica da Sagrada Escritura – isto é, a leitura que fazemos na Igreja e com a Igreja da Bíblia, não nos permite duvidar dos modos de atuação de Deus ao longo da história, ainda que nos pareçam dissonantes da lógica humana. Deus não pode nem está submetido a essa lógica, à nossa maneira de pensar e de fazer as coisas. Longe de nós a pretensão de querer “enquadrar” Deus nos nossos moldes de pensamento. Isso não invalida, e mais exige, que estudemos a Bíblia, pesquisemos, usemos as ciências auxiliares, os novos métodos, a hermenêutica e a exegese científica. É bom e necessário, mas o espaço de Deus é único e continuará sendo um mistério que nos envolve e nos abraça.

Assim, se você ler Gênesis 3,15, verá que o texto se refere, imediatamente, a Eva, ou seja, em sentido literal, mas em sentido profundo e pleno da Escritura à Maria, a futura Mãe do Salvador, o Messias. O motivo de o texto referir-se à Mãe do Messias é o seguinte: a mulher ao qual se refere Gênesis 3,15 é a inimiga irreconciliável da Serpente, radical e absolutamente, o que contradiz com a condição de Eva, pois Eva, no dizer de um Padre da Igreja, “atou um nó” por sua desobediência a Deus e Maria, como mulher triunfal sobre o Demônio, o desatou por sua obediência. Sem forçar o texto sagrado, é como se Eva estivesse naquele momento revestida dos atributos e das qualidades de Maria e do seu triunfo. Então é claro que Maria é a mulher ao qual se refere o texto do Gênesis, e é a mulher à qual se referem os profetas Isaías e Miquéias.

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