Via Sacra no Coliseu: O amor é mais forte do que o mal

   
 
Cidade do Vaticano (RV) – A Via Sacra escrita pela teóloga francesa Anne-Marie Pelletier para a Sexta-feira Santa no Coliseu, poderia ser considerada como "não tradicional". As Estações, de fato, espelham os momentos que a autora considerou como os mais significativos no caminho de Jesus ao Gólgota, como a negação de Pedro, o sofrimento de Cristo no qual são reconhecidos homens, mulheres e até mesmo "crianças violentadas, humilhadas, torturadas, assassinadas", o silêncio do sábado.
 
Nas reflexões, Anne-Marie Pelletier quis dar um espaço particular às mulheres. Cita, por exemplo, Santa Catarina de Sena e Etty Hillesum e, entre as testemunhas de nosso tempo, recorda os monjes trapistas de Tibhirine, Argélia, assassinados em 1998. A Rádio Vaticano conversou com ela. Confira:
 
"Eu diria que não pensei naquilo que gostaria de dizer ou que queria transmitir. A minha idéia foi, isto sim, a de colocar-me neste caminho, de tentar colocar-me nos passos de Jesus que sobe ao Gólgota. Trata-se de uma dimensão do pensamento de Deus e não do nosso, então procurei ter uma atitude de escuta e de silêncio, por mim mesma e pelos outros, ao extraordinário paradoxo que se realiza na hora da Paixão, aquele que as Escrituras definem como o inaudito da hora de Deus e que toca intensamente e profundamente todo o agir de nosso mundo contemporâneo".
 
RV: As 14 Estações que você escreveu, não são aquela tradicionais. Por que esta escolha?
 
"Inspirei-me no fato de que a Via Sacra tem diversas referências e que não tem um esquema vinculante e escolhi aqueles momentos que me pareciam particularmente significativos. Assim, decidi inserir a negação de Pedro e a cena em que Pilatos, consultado pelas autoridades judaicas, declara também ele que Cristo deveria ser crucificado. Para mim era muito importante querer recordar, nesta circunstância, judeus e pagãos unidos na cumplicidade da condenação à morte de Jesus. Sabemos que no decorrer dos séculos os cristãos foram tentados a atribuir a responsabilidade pela morte de Jesus somente ao povo hebreu. Os textos, porém, na forma como foram escritos, nos ajudam a entender que, na realidade, nos encontramos diante de um enorme drama espiritual, no qual judeus e pagãos estão unidos na mesma rejeição de Cristo, na mesma violência que leva a sua condenação à morte".
 
RV: Quais foram as fontes de sua inspiração para escrever as meditações?
 
"Eu diria, fundamentalmente, a minha experiência de crente, a experiência da luta da fé. Porque quando nos encontramos lá – como no caso da paixão de Jesus – diante deste extremo do pensamento de Deus, cada um de nós se sente perdido e tem dificuldades em entrar nesta lógica das Escrituras, do "devia ser assim"".
 
RV: Mas, existe uma mensagem que você gostaria de transmitir por meio de seus textos?
 
"Eu diria que fundamentalmente busquei sensibilizar sobre o fato de que os trágicos eventos da Paixão têm de humano: Cristo é condenado à morte, submetido à violência dos homens. Tais acontecimentos nos ensinam que devemos  conseguir alcançar aquilo que o Papa chama na Evangelii Gaudium, "a alegria do Evangelho". Estamos diante de um grande paradoxo, porque aquilo que temos sob os olhos é a realidade de um fracasso, do sofrimento triunfante, do reino da morte. É muito importante tomar consciência do fato de que ser cristãos é o oposto desta chantagem da violência, da morte, e que o amor é mais forte. O amor que vem de Deus tem a vitória sobre tudo. Penso que seja tarefa dos cristãos de hoje ser testemunhas disto".
 
RV: Na última estação você dá destaque à presença das mulheres…
 
"Eu quis que a XIV Estação fosse dedicada ao Sábado Santo. O Evangelho oferece poucas palavras a respeito de tal dia, e elas dizem respeito às mulheres. Somente as mulheres que, vindas do sepulcro após o sepultamento de Jesus, foram preparar os panos para poder envolver o corpo depois do Shabbat. Ainda que a nossa liturgia não reserve a ele uma grande ressonância, penso que o Sábado Santo seja um momento fundamental. É um momento de recolhimento, de silêncio; nos prepara para reconhecer a ressurreição. E é também um momento feminino, que nos mostra as mulheres colocadas à prova pela morte de Jesus, mas que ao mesmo tempo continuam a ter uma postura de vida: preparam os panos com os quais irão honrar o corpo de Cristo e têm um comportamento muito diferente daquele dos discípulos de Emaús. Estes estão desiludidos e desorientados, enquanto as mulheres não se mostram assim; simplesmente, sobriamente, preparam os panos e se dispõe assim a receber a grande surpresa do anúncio da Ressurreição".
 
 
 

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