Por Dom Paulo Andreolli, SX – Bispo Auxiliar de Belém
Caros leitores, que grande alegria iniciarmos esta semana com a Festa da Exaltação da Santa Cruz. De fato, que bonita prova de amor Deus Pai nos concedeu a de ter-nos dado Seu Filho Jesus Cristo para a nossa salvação. E neste ano Jubilar da Encarnação, nossa fé se renova ainda mais com a firme certeza de que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). Para esta conversa conto com a colaboração do missionário Xaveriano, padre René Casillas Barba, SX.
Na teologia cristã, a Cruz e a missão ad gentes são dois pilares inseparáveis. A Cruz não é apenas símbolo de dor, mas revelação do amor redentor de Deus, um amor que se doa, serve e envia. É a partir dela que a Igreja encontra motivação e método para anunciar o Evangelho a todos os povos. A experiência pascal, paixão, morte e ressurreição de Cristo, organiza a identidade cristã e orienta a ação evangelizadora, especialmente em contextos marcados por pobreza, violência e incompreensão religiosa. Como afirma o Papa Francisco, “a missão é uma paixão por Jesus, e simultaneamente, uma paixão pelo seu povo” (Evangelii Gaudium, n. 268). Isso exige que a missão não seja um projeto distante, mas uma presença encarnada, que partilha vida e sofrimento com os povos.
Cristologicamente, a Cruz é o centro da salvação: nela, Cristo assume o sofrimento humano e o transforma em reconciliação. Escatologicamente, ela aponta para a ressurreição, promessa de vida plena. Frente às resistências, a missão encontra na Cruz coragem e perseverança. O Concílio Vaticano II lembra que a Igreja é “sacramento universal da salvação” (Lumen Gentium, n. 1), chamada a levar a todos a graça pascal com paciência e fidelidade.
No plano ético, a Cruz funda uma ética do serviço e da justiça. Cristo crucificado inspira a opção pelos pobres e a denúncia das estruturas injustas. O Papa Bento XVI reforça que a missão deve promover, integralmente, a pessoa humana e cultivar o diálogo cultural: “A missão da Igreja, tal como a de Cristo, é de natureza integral: envolve o homem em todas as suas dimensões” (Caritas in Veritate, n. 20). Estêvão Raschietti propõe uma reconfiguração da missão, reconhecendo os erros do passado e abrindo espaço para a reciprocidade e a escuta: “A missão deve ser repensada numa perspectiva decolonial” (Raschietti, 2022, p. 16).
Pedagogicamente, a Cruz ensina que o amor vence o mal. A missão deve priorizar escuta, respeito e diálogo, não imposição. A catequese missionária precisa reconhecer os valores culturais e iluminá-los à luz do Evangelho, construindo sínteses fecundas. A Cruz também inspira reconciliação e pedido de perdão pelos erros históricos da evangelização.
Espiritualmente, ela orienta uma vida de oração, desapego e confiança. O missionário vive o abandono em Deus e a liberdade interior. O Papa Francisco exorta a evitar uma “missão de museu” ou clericalizada, e buscar um encontro apaixonado com Cristo crucificado, que gera proximidade e ternura (Evangelii Gaudium, 268-269).
Em síntese, a cruz dá conteúdo, método e motivação à missão da Igreja. Transforma sofrimento em solidariedade, humilhação em esperança, e evangelização em promoção humana e reconciliação. A verdadeira missão ad gentes nasce da Cruz, humilde, encarnada, esperançosa e aponta para a vida nova inaugurada pela Ressurreição.
Para concluir, lembremo-nos de uma valiosa reflexão do Papa Francisco (14/09/2018): “A Cruz nos ensina que na vida há o fracasso e a vitória. Devemos ser capazes de tolerar as derrotas, levá-las com paciência, as derrotas, também dos nossos pecados, porque Ele pagou por nós. Hoje seria belo se em casa, tranquilos, ficássemos por 5, 10, 15 minutos diante do crucifixo, ou o que temos em casa ou aquele do rosário: olhar para ele é o nosso sinal de derrota que provoca as perseguições, que nos destrói, mas é também o nosso sinal de vitória porque Deus venceu ali”.
Caros leitores, que a oração da coleta desta Festa nos inspire ao Amor que redime e envia em missão: “Deus, quisestes que vosso Filho Unigênito sofresse o suplício da Cruz para salvar o gênero humano; concedei que, tendo conhecido na terra este mistério, mereçamos alcançar no céu o prêmio da redenção”. Amém.
Boa semana para todos!