A Urbe líquida: espaços culturais (final)

 
Esta mudança de época de sociedades invisíveis tem características que exigem de nós atenção e sensibilidade pastoral:
 
1. Mudança de significado do Tempo, do Espaço e das Relações Humanas: Não estamos mais num contexto de cristandade [todos são cristãos e católicos], mas numa guinada cultural que reconhece o mundo não com o convencional [na lógica do aceitar], mas no deslocamento do ser para o saber aproveitar e definir a partir do que deseja e agrada. O tempo não é mais o determinado pela religião, mas pelo gosto e necessidades imediatas; o espaço de encontro e de vivências não se dá pelo religioso, mas pela identificação com pessoas e estruturas – aliás, a juventude da era cibernética prefere mais as salas de bate-papo, instagram e facebook do que o encontro pessoal; a vida é mais virtual, nas relações humanas tornaram-se efêmeras e estéticas, gosto não se discute; a união dura até quando durar o affer e não o amor.
 
2. Mudança simbólica da vida:os homens e mulheres da Urbe, sobretudo as juventudes se reúnem em “comunidades afetivas temporárias”; não tanto grupos de permanência militante. Assim, vemos pulular formas juvenis de concepções religiosas, não necessariamente cristãs com identidade católica, mas holísticas, sobretudo, identificadas com a Nova Era; movimentos que pretendem dar soluções imediatas aos problemas humanos com fórmulas quase mágicas (neopentecostais protestantes e católicos). Este ambiente religioso plural de guetos sociais configuram um modo de ser determinado pela velocidade, avanço tecnológico, competitividade e versatilidade (Cf. CNBB, 85, n. 12). 
 
3. Mudança das relações sociais e afetivo-sexuais: desde as transformações vividas nas famílias até a constituição de novos laços familiares; mais a partir de vínculos, do que da tradicional relação pais e filhos. A família não é mais aquele núcleo que transmite aos filhos a tradição religiosa. No âmbito de muitas famílias existem diversas compreensões e vivências religiosas. É cada vez mais raro encontrar filhos que vivem nas famílias a experiência da “igreja doméstica”. Para muitos, o encontro com o transcendente acontece fora de qualquer convencionalidade, por isso alguns aceitam Jesus Cristo, mas não conseguem se inserir numa comunidade eclesial (CNBB, 85, n. 20). Aqui o axioma: Jesus Cristo sim, a Igreja não, é bastante concreto. Neste sentido é muito mais forte a emotividade da religiosidade do que a razão (ID, n. 19), uma espécie de retorno ao sagrado de forma individualista.
 
Tomar consciência deste pluralismo cultural, religioso, ético é importante para a vida eclesial na Urbe. É uma atitude ingênua pretender ser religioso e evangelizar com os métodos de ontem imaginando que estamos ainda num contexto religioso homogêneo e de cristandade. Estamos, então, diante de três desafios para a compreensão e vivência pastoral da Igreja em Belém:
 
1. Nova racionalidade: passamos das verdades intocáveis e dogmáticas para a razão técnico-industrial. Vivemos num mundo conectado e um dos medos de nossos medos é de não ter acesso a esta nova tecnologia que se insere numa realidade de inclusão.
 
2. Nova insignificância: a religião, a espiritualidade e o sagrado como manifestações de um ato de fé eminentemente cristão se encontram hoje com a crítica da religião. Não se trata da existência ou não de Deus, mas da impossibilidade de fazer experiência de algo que não se pode observar e nem tocar. Então, o sagrado se transporta para o ecossistema e a realidade planetária, nos quais o ser humano parece desejar encontrar o absoluto. Aumentam assim os ateus e agnósticos, também entre os jovens, que preferem uma “Igreja invisível” (Mudança de religião no Brasil, CERIS, p. 86. 108. 115).
 
O que fazer, então? É preciso levar muito à serio o momento que estamos, a Urbe líquida na qual vivemos porque não há respostas prontas. Temos que ter consciência e escutar muito bem as perguntas. Dizer que Jesus é a resposta é fácil, o problema é saber por que desta importância. No documento de Aparecida foram indicadas algumas pistas que faço eco neste momento a partir da nossa realidade (DAp, 517-518).
 
1. Precisamos aceitar que na Urbe líquida os vínculos familiares estão cada vez mais diversificados;
2. As categorias sociais devem ser conhecidas e trabalhadas na sua identidade social, econômica, política e cultural, daí o valor das Cebs como pequenas comunidades;
3. Apostar no sentimento de misericórdia num contexto de violência e insegurança. Superar a lei do olho por olho, dente por dente;
4.Aceitar que há novas linguagens para a evangelização. Discurso pronto e normas rígidas não abrem campo ao diálogo;
5. As paróquias precisam ser setorializadas, descentralizadas em pequenas comunidades de vivência religiosa;
6. O padre, o bispo, o diácono não podem ser profissionais do sagrado, mas pastores segundo o coração de Deus com a capacidade de comunicar a Palavra, formar lideranças, refletir com o laicato, aceitar a diversidade de ministérios; em uma palavra, se reinventar;
7. Usar dos meios de comunicação para evangelizar superando o mero devocionismo católico;
8. Compreender a mudança geográfica da Igreja com a nomeação de Francisco: da periferia para o centro. O papa trouxe para o centro da Igreja as dores da periferia com o saber acolher, anunciar e denunciar, o resgate da igreja sinodal, menos curial e mais disponível;
9. Ainda na esteira de Francisco é preciso tirar das gavetas o Concílio Vaticano II e avançar para águas mais profundas no corpo das Urbes que estão presente nas cidades invisíveis;
10. Vencer a tentação da indiferença clerical achando que basta cantar, dançar e distribuir bênçãos para evangelizar, sabendo, por fim, cantar, dançar e abençoar a partir dos gritos que brotam do emaranhado da cidade de Deus. Muito bem dizia padre Zezinho: “Uma Igreja que não pensa dá o que pensar”;
A evangelização nas urbes líquidas é um tremendo desafio. Importa ir além da mera informação, do mero discurso, para se tornar formação da liberdade, da consciência crítica e da solidariedade. Para tanto, nossa Assembleia precisa conhecer esta sociedade complexa e líquida do conhecimento para entender seus símbolos, ritos, corpos, linguagens e anseios. E aí dentro reinventar nossas comunidades e a formação de nossos agentes da evangelização.
 
 
 

Compartilhe essa Notícia

Leia também