Por Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Metropolitano de Belém

A educação da afetividade é um aspecto decisivo na educação das pessoas, independentemente, da idade.

Os sentimentos, as paixões e as emoções são componentes naturais do psiquismo humano; constituem “o lugar de passagem”(cf. Catecismo da Igreja Católica, 1764) e garantem a ligação entre os dois andares que constituem a nossa personalidade. Nós somos como uma casa de dois andares: no andar de baixo estão cinco janelas: a visão, o olfato, o tato, a audição e o paladar. No andar de cima temos quatro janelas: o senso da beleza, o senso da verdade, o senso da bondade, o senso do mistério(cf. Edward Neves Guimarães, Curso de Verão, Ano XXVIII, p. 81-87).

É aquilo que, tradicionalmente, se chamava a vida sensitiva e a vida espiritual. Ora, a afetividade é a escada que une e faz a comunicação dos dois andares: o que recebemos pelos sentidos são levados para a vida do espírito pela afetividade, e é a afetividade que conduz a vida do espírito para a nossa vida sensitiva.

Nossos cinco sentidos captam e sofrem as impressões do meio circunstante em uma quantidade imensa de informações que são processadas em nosso espírito. Mas as impressões sensoriais não chegam até nós em seu estado bruto; elas são apropriadas por nós já carregadas de sentimentos e emoções. Tais sentimentos e emoções são acolhidos e enriquecidos de valores, significados e conceitos em nosso espírito. Podem, por fim, ser comunicados e partilhados com os outros através de nossos sentidos.

Dou um exemplo. Meu olhar capta as imagens e vê. Posso ver você; a forma do seu corpo e da sua face; percebo seu modo de se vestir, de caminhar, de gesticular. Posso ainda notar seus olhos, suas mãos, seus lábios. Percebo os traços característicos que o tornam único. Chego até mesmo a perceber sinais que expressam o que você traz no interior e debaixo do que meu olhar capta à primeira vista. Parece-me que você está triste ou alegre ou preocupado.

Todas essas impressões que incidem em meus olhos causam em meu interior sentimentos diversos, coincidentes e contrários.

Com grau maior ou menor de consciência, caio na conta de estar diante de alguém, de uma pessoa, de um mistério que meu olhar, de alguma forma mais, intui do que capta. Tomo consciência de que estou diante de alguém com uma história de vida que desconheço, de alguém que experimentou a dor e a alegria deste mundo, relativamente, acolhedor e duro, que tem sonhos e desejos, que tem suas qualidades e defeitos.

Descubro, admirado e assombrado, que o que meu olhar vê é somente uma partícula de um universo insondável; que estou diante de um outro que me promete a surpresa: a felicidade do encontro e/ou a desilusão da solidão. Caio na conta de que estou diante do oceano muito mais profundo do que a superfície que o meu olhar pode enxergar.

Ao ser surpreendido com o mistério do outro, meu olhar pode se tornar também mais significativo: ele não somente vê; agora pode também comunicar admiração, temor, fascínio pelo outro. O olhar não somente capta, mas também transmite a profundidade de meu espírito que recebeu os sentimentos causados pelo outro e os devolve agora enobrecidos e enriquecidos de meu mundo interior através da janela de meu olhar.

Espero que este exemplo simplificado possa ajudá-lo a entender o porquê da importância da educação da afetividade. Sem ela a nossa casa fica sem escada, sem uma boa educação afetiva sofremos de uma cisão interior desumanizadora: viver só no andar de baixo é infra-humano; viver só no andar de cima é impossível; viver sem escada que liga os dois andares é desumano.

A fé cristã não é alheia à educação da afetividade, pois compreende a salvação como uma oferta para a realização da pessoa humana como um todo. “Na vida cristã, o Espírito Santo realiza sua obra mobilizando o ser inteiro, inclusive suas dores, medos e tristezas” (Catecismo da Igreja Católica, 1768).

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