O Jubileu Extraordinário da Misericórdia terminou dia 20 de novembro. O Papa Francisco publicou a Carta Apostólica “Misericórdia et mísera”. O significativo documento contém 22 pontos, centrados na misericórdia divina. O Jornal Voz de Nazaré segue com a divulgação iniciada na edição 747 (25/11 a 1/12/2016), caderno 2, página10.
CARTA APOSTÓLICA ''Misericordia et misera''
SANTO PADRE FRANCISCO
NO TERMO DO
JUBILEU EXTRAORDINÁRIO DA MISERICÓRDIA
A quantos lerem esta Carta Apostólica, misericórdia e paz!
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18 É a hora de dar espaço à imaginação a propósito da misericórdia para dar vida a muitas obras novas, fruto da graça. A Igreja precisa de narrar hoje aqueles «muitos outros sinais» que Jesus realizou e que «não estão escritos» (Jo 20, 30), de modo que sejam expressão eloquente da fecundidade do amor de Cristo e da comunidade que vive d’Ele. Já se passaram mais de dois mil anos e, todavia, as obras de misericórdia continuam a tornar visível a bondade de Deus.
Ainda hoje populações inteiras padecem a fome e a sede, sendo grande a preocupação suscitada pelas imagens de crianças que não têm nada para se alimentar. Multidões de pessoas continuam a emigrar dum país para outro à procura de alimento, trabalho, casa e paz. A doença, nas suas várias formas, é um motivo permanente de aflição que requer ajuda, consolação e apoio. Os estabelecimentos prisionais são lugares onde muitas vezes, à pena restritiva da liberdade, se juntam transtornos por vezes graves devido às condições desumanas de vida. O analfabetismo ainda é muito difuso, impedindo aos meninos e meninas de se formarem, expondo-os a novas formas de escravidão. A cultura do individualismo exacerbado, sobretudo no Ocidente, leva a perder o sentido de solidariedade e responsabilidade para com os outros. O próprio Deus continua a ser hoje um desconhecido para muitos; isto constitui a maior pobreza e o maior obstáculo para o reconhecimento da dignidade inviolável da vida humana.
Em suma, as obras de misericórdia corporal e espiritual constituem até aos nossos dias a verificação da grande e positiva incidência da misericórdia como valor social. Com efeito, esta impele a arregaçar as mangas para restituir dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs, chamados conosco a construir uma «cidade fiável».[19]
19. Muitos sinais concretos de misericórdia foram realizados durante este Ano Santo. Comunidades, famílias e indivíduos crentes redescobriram a alegria da partilha e a beleza da solidariedade. Mas não basta. O mundo continua a gerar novas formas de pobreza espiritual e material, que comprometem a dignidade das pessoas. É por isso que a Igreja deve permanecer vigilante e pronta para individuar novas obras de misericórdia e implementá-las com generosidade e entusiasmo.
Assim, ponhamos todo o esforço em dar formas concretas à caridade e, ao mesmo tempo, entender melhor as obras de misericórdia. Com efeito, esta possui um efeito inclusivo pelo que tende a difundir-se como uma nódoa de azeite e não conhece limites. E, neste sentido, somos chamados a dar um novo rosto às obras de misericórdia que conhecemos desde sempre. De fato a misericórdia extravasa; vai sempre mais além, é fecunda. É como o fermento que faz levedar a massa (cf. Mt 13, 33), e como o grão de mostarda que se transforma numa árvore (cf. Lc 13, 19).
A título de exemplo, basta pensar na obra de misericórdia corporal vestir quem está nu (cf. Mt 25, 36.38.43.44). A mesma nos reconduz aos primórdios, ao jardim do Éden, quando Adão e Eva descobriram que estavam nus e, ouvindo aproximar-Se o Senhor, tiveram vergonha e esconderam-se (cf. Gn 3, 7-8). Sabemos que o Senhor castigou-os; no entanto, Ele «fez a Adão e à sua mulher túnicas de peles e vestiu-os» (Gn 3, 21). A vergonha é superada e a dignidade restituída.
Fixemos o olhar também em Jesus no Gólgota. Na cruz, o Filho de Deus está nu; a sua túnica foi sorteada e levada pelos soldados (cf. Jo 19, 23-24); Ele não tem mais nada. Na cruz, manifesta-se ao máximo a partilha de Jesus com as pessoas que perderam a dignidade, por terem sido privadas do necessário. Assim como a Igreja é chamada a ser a «túnica de Cristo»[20] para revestir o seu Senhor, assim também ela se comprometeu a tornar-se solidária com os nus da terra a fim de recuperarem a dignidade de que foram despojados. Assim as palavras de Jesus – «estava nu e destes-me que vestir» (Mt 25, 36) – obrigam-nos a não desviar o olhar das novas formas de pobreza e marginalização que impedem as pessoas de viverem com dignidade.
Não ter trabalho nem receber um salário justo, não poder ter uma casa ou uma terra onde habitar, ser discriminados pela fé, a raça, a posição social… estas e muitas outras são condições que atentam contra a dignidade da pessoa; frente a elas, a ação misericordiosa dos cristãos responde, antes de mais nada, com a vigilância e a solidariedade. Hoje são tantas as situações em que podemos restituir dignidade às pessoas, consentindo-lhes uma vida humana. Basta pensar em tantos meninos e meninas que sofrem violências de vários tipos, que lhes roubam a alegria da vida. Os seus rostos tristes e desorientados permanecem impressos na minha mente; pedem a nossa ajuda para serem libertados da escravidão do mundo contemporâneo. Estas crianças são os jovens de amanhã; como estamos a prepará-las para viverem com dignidade e responsabilidade? Com que esperança podem elas enfrentar o seu presente e o seu futuro?
O caráter social da misericórdia exige que não permaneçamos inertes, mas afugentemos a indiferença e a hipocrisia para que os planos e os projetos não fiquem letra morta. Que o Espírito Santo nos ajude a estar sempre prontos a prestar de forma efetiva e desinteressada a nossa contribuição, para que a justiça e uma vida digna não permaneçam meras palavras de circunstância, mas sejam o compromisso concreto de quem pretende testemunhar a presença do Reino de Deus.
[19] Francisco, Carta enc. Lumen fidei, 50.
[20] Cipriano, A unidade da Igreja Católica, 7.
Continua na próxima edição.
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CARTA APOSTÓLICA ”Misericordia et misera” – PARTE 6
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