Dom Alberto Taveira Corrêa
 Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
 
Multiplicam-se nas últimas semanas  as manifestações ditas artísticas, cuja eclosão suscitou reações de todos os lados. Nos meios de comunicação e nas redes sociais, mesmo que considerada pluralista e respeitosa a chamada democracia nas relações sociais, todas as pessoas e grupos que foram contrários ao que se exibiu foram tachados de “conservadores”. Parece que alguns são mais iguais do que os outros e só podem ser considerados progressistas e paladinos da liberdade os que cedem ao patrulhamento ideológico reinante. Infelizmente, passando de parlamentares e depois membros dos poderes executivo e judiciário, chegando ao mundo artístico, além de muitas pessoas que acabaram “gritando” pelas redes sociais.
 
  A Igreja Católica e outras Igrejas Cristãs, assim como outros grupos religiosos, todos somos quase asfixiados pelas pressões favoráveis a argumentos como ideologia de gênero, “trans”, aborto, casamento homoafetivo e daí por diante. Tudo indica que se pretende queimar a tradição judaico-cristã, considerada retrógrada. É-nos negado o direito de pensar e agir de forma coerente com nossa consciência. Se não nos colocarmos de acordo com a mentalidade reinante, a atual ditadura ideológica nos massacra!
 
  Por outro lado, graças a Deus as redes sociais servem também para nos manifestarmos contrários à avalanche de contravalores que se espalham em nossos dias. As pessoas que escolhem um caminho diferente daquele que é norteado pelo Senhor Jesus, Caminho, Verdade e Vida, já começam a verificar, em seu corpo e sua alma, as consequências. Deus não precisa se dar ao trabalho de armar castigos para a humanidade, pois ela mesma os fabrica. Basta ver a História e perceber como a decadência ética e moral de passadas civilizações esteve sempre aliada às crises políticas e econômicas, geradoras de mudanças profundas de época. Em nosso tempo, quando desmoronou o muro de Berlim, símbolo da fracassada proposta do socialismo real, sabemos que este “caiu de podre”, pela destruição de valores e práticas considerados reacionários. Muitos de nós, iluminados pela sabedoria de São João Paulo II, entrevíamos que muitos outros muros viriam a cair no ocidente da riqueza, do prazer, da propaganda deslavada da impureza, da injustiça, da vergonhosa desigualdade social, da competição desrespeitosa, o mundo do capitalismo liberal. E em nossos dias, tudo indica que o desmoronamento é globalizado. Cabe-nos olhar para o alto e pedir ao Pai do Céu que recolha os cacos de nossas edificações físicas, morais e sociais destruídas, para fazer uma nova obra de arte, um mosaico como só Ele sabe fazer, para que venha à tona uma nova etapa da história, na redescoberta de Jesus Cristo e de seu Evangelho.
 
  E Jesus se confrontou com os poderes de seu tempo, simbolizados pela força dos romanos invasores. Muitas foram as armadilhas preparadas por perguntas capciosas. Uma delas é relatada na Liturgia do final de semana (Mt 22,15-21). Pagar impostos, obedecer às leis civis, construir a cidadania, argumentos válidos desde priscas eras e até hoje atuais, são obrigações simbolizadas numa moeda e na figura de “César”! Os cristãos dos primeiros tempos sabiam que as palavras pronunciadas maldosamente pelos fariseus correspondiam à plena verdade, pois eram convictos de que Jesus é verdadeiro e ensina o caminho para Deus. Mais esperto e inteligente é o Senhor, sempre capaz de sabiamente devolver a pergunta. Antes do César representado na moeda está aquilo que é de Deus, o coração humano. Não é possível organizar a vida, orientar a construção da sociedade e das cidades, ou conduzir a política a um porto seguro, quando os homens e as mulheres não se rendem ao Evangelho e seus valores, assim como sementes do Verbo de Deus plantadas pelo Espírito Santo em todos os quadrantes da terra ou nas manifestações religiosas e do saber humano.
 
  De forma profética, o Concílio Vaticano II preconizou dramas e desafios que vivemos hoje (Cf. Gaudium et Spes, 36): “Muitos parecem temer que a íntima ligação entre a atividade humana e a religião constitua um obstáculo para a autonomia dos homens, das sociedades ou das ciências. Se por autonomia das realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Trata-se de algo inteiramente de acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio fato da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os métodos peculiares de cada ciência e arte. A investigação metódica em todos os campos do saber, levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus. Quem se esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da natureza é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são. Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de espírito que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que, pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis. Se, porém, com as palavras “autonomia das realidades temporais” se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a falsidade de tais afirmações. Sem o Criador, a criatura não subsiste. De resto, todas as pessoas que crêem, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se obscurece”. 
 
Acolhamos o desafio à conversão que tais palavras suscitam!
 

Compartilhe essa Notícia

Leia também