Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Coadjutor de Belém
“Estando Jesus num certo lugar, orando, ao terminar, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos” (Lc 11,1). O pedido nasce do choque experimentado pelo discípulo que vê Jesus rezar. Ele está fascinado com o modo de Jesus orar. O seu desejo não é o de receber uma nova oração para a sua lista já bastante grande de orações, uma vez que, como judeu piedoso, aquele discípulo deveria rezar os salmos de memória e muitas outras orações ligadas às diversas circunstâncias da vida cotidiana. O seu desejo consiste em ser introduzido na intimidade que Jesus tem com o Pai e, assim, se tornar um orante como Jesus. Em resposta ao pedido desse discípulo, Jesus confiou a nós e à Igreja, a oração cristã fundamental.
Assim, o Evangelho segundo Lucas apresenta o Pai-nosso em relação com a oração pessoal de Jesus. Ensinando aos discípulos o Pai-nosso, Jesus não transmite somente uma fórmula, mas os introduz no diálogo interior do Amor trinitário. Ao ensinar o Pai-nosso, Jesus comunica a nós não só as palavras, mas, também, os seus sentimentos de Filho (Fl 2,5).
O Pai-nosso provém da oração personalíssima de Jesus e só pode ser rezado no interior da profunda experiência vivida por Jesus no seu diálogo com o Pai. Essa é a profundidade para a qual as palavras nos remetem e nos dão.
Nesse sentido, Santo Tomás de Aquino apresenta o Pai-nosso como oração que ordena nossos desejos e afetos: “A oração dominical é a mais perfeita das orações. Nela não só pedimos tudo quanto podemos desejar, corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos” (S. Th. II-II, 83,9).
Na oração do Senhor, o Espírito dá forma nova aos nossos desejos que animam nossa vida. Jesus nos ensina a vida nova por sua palavra e a desejá-la pela oração. A oração do Pai-nosso julga nossos desejos diante de Deus e expressa os do Filho que se tornam nossos. Por isso, o Pai-nosso é um caminho de purificação das moções interiores que movem a nossa vontade: as corrige e nos conduz, pouco a pouco, a desejar o que, realmente, precisamos. Com efeito, da retidão de nossa oração depende a retidão de nossa vida em Cristo.
Outro mestre de oração, São Bento, cunhou a fórmula: mens nostraconcordetvocinostra(o nosso espírito deve concordar com a nossa voz, Reg. 19,7). Normalmente, o pensamento precede, busca e forma a palavra. Na oração dos salmos, da liturgia, do Pai-nosso, acontece o contrário: a palavra nos precede, e o nosso espírito deve se adequar a essa palavra. De fato, nós não sabemos o que convém pedir (Rm 8,26). Na oração do Pai-nosso, o Senhor vem em nosso auxílio e nos ensina a rezar e o que convém pedir. Dá-nos, nas palavras do Pai-nosso, a oportunidade de ir ao seu encontro e de conhecê-lo, pouco a pouco, através da oração pessoal e comunitária. Jesus não nos dá somente as palavras da oração filial, mas, sobretudo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós “espírito e vida” (Jo 6,63). Afinal, o dom de Deus é Deus mesmo e a “coisa boa” que o Pai nos dá consiste no dom do Espírito: “o Pai vosso celeste dará o Espírito Santo aos que lhe pedem” (Lc 11,13).
No Pai-nosso fica evidente um elemento próprio da mística cristã: a oração não é um mergulho em si mesmo, mas encontro pessoal com o Espírito Santo na Palavra que nos precede e, dessa forma, um entrar em comunhão com o Deus vivo e verdadeiro.
Reconhecemos que “ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou. Podemos ousar chamar a Deus de “Pai” porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito homem e o Espírito Santo que ora em nós e por nós. O Espírito do Pai e do Filho nos introduz no mistério da relação pessoal do Filho com o Pai.
O Pai-nosso inicia com uma grande consolação: nós podemos dizer “Pai”! Nessa única palavra se encerra a história da salvação inteira. Podemos dizer “Pai”, porque o Filho é nosso irmão e nos revelou o seu Pai; porque pela obra do Filho e pela infusão do Espírito nos tornamos filhos de Deus. Porque fomos feitos filhos no Filho pelo dom do Espírito é que ousamos dizer “Pai”.
Vale a pena reler com atenção o que Santo Hilário (séc. IV)escreveu para ousar rezar o Pai-nosso. “Deus em todo momento sabe ser somente amor, somente Pai. O que ama não tem inveja, e o que é Pai, é Pai por completo. O Pai é Pai em tudo quanto nele existe, possui-se, inteiramente, naquele para o qual não é Pai somente em parte. De maneira incompreensível, inenarrável, antes de todo tempo e toda idade, procriou o Unigênito da substância ingênita que nele há, e deu a esse Filho nascido dele, por meio de seu amor e de sua potência, tudo o que Deus é” (De Trin. IX,61; III,3).