
Monsenhor Ronaldo Menezes –Vice-Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação
Das pequenas anotações bíblicas em forma de artigos informativos sobre a Mãe de Jesus, pensei em concluir com o sinal da “mulher vestida com o sol” descrita no Apocalipse de São João, no famoso capítulo 12 do último livro canônico do Novo Testamento. O texto de São João é bastante conhecido. Quem o lê, por menor que seja a intimidade com a Sagrada Escritura, recorda, imediatamente, outros que parecem manter uma conexão ou uma ressonância com São João. Por exemplo, o Salmo 104 diz que Deus está “vestido de esplendor e majestade, envolto em luz como num manto, estendendo os céus como tenda” (Sl 104,2). E no Cântico dos Cânticos, lemos: “Quem é essa que desponta como aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas” (Ct 6,10), uma descrição da Esposa do Senhor Deus. Um cântico foi feito com esta letra, atribuída a descrição à Virgem Maria.
A visão que São João teve do grandioso sinal no céu é de “uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. Lendo os dois textos acima, do Salmo e do Cântico dos Cânticos, entendemos melhor a descrição do Apocalipse. A “Mulher” aparece como majestosa igual ou comparável ao céu estrelado, na noite mais escura, quando acompanhamos com os olhos atentos ocaminhar das estrelas, das constelações, como se fossem batalhões divinos a serviço do Criador. Se esta “Mulher” tem a lua sob os pés é porque ela é vencedora das árduas batalhas, das intempéries, das adversidades da vida e da história, isto é, as mudanças não a afetam, mas são superadas e vencidas. A lua simboliza mudança. A coroa de “doze estrelas” na cabeça tem vários significados bíblicos, os quais devem ser considerados, para depois tomarmos uma direção, ponderando algumas implicações para a doutrina sobre a Mãe do Senhor; por exemplo, o número “doze” é uma referência às Doze tribos de Israel (Gn 39,9) e ao número dos que serão preservados de cada uma dessas tribos (Ap 7,5-8). É um número simbólico, portanto. Mas é também uma referência explícita aos Doze Apóstolos do Senhor, colunas da Igreja fundada por Jesus, a Igreja Católica. Então, esta “Mulher” apresentada por São João representa muitas realidades, ou as resume como personagem celeste, certamente ornada pelo próprio Deus.
Esta “Mulher” enfrenta outro sinal no céu, “um grande Dragão, cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete diademas”, poderoso, pois com “sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, lançando-as para a terra”. O “Dragão” simboliza todas as maldades, atrocidades, guerras patrocinadas pelo que ele significa, Satanás. Ou seja, o Dragão cor de fogo é Satanás. Diante de toda maldade, a Mulher foge para o deserto, para um lugar preparado por Deus, cuidada por ele e alimentada durante “mil duzentos e sessenta dias”, ou três anos e meio, ou 42 meses. A Mulher é perseguida pelo Dragão, isto é, por Satanás, o Diabo. Mas Deus vem em socorro da Mulher, alimenta-a, protege-a, por todo o tempo em que ela for peregrina na terra. O alimento da Mulher é a Eucaristia, conforme o próprio João havia escrito um pouco antes, no capítulo 2: “Ao vencedor darei o maná escondido, e lhe darei também uma pedrinha branca” (Ap 2,17).
Reconheço que o texto de Apocalipse 12 não é de todo fácil de compreender, e as discussões sobre quem é a Mulher que aparece como “sinal grandioso” ainda devem estar acaloradas, como nos meus tempos de estudo no Seminário. Sobre a identidade da Mulher, pode-se dizer que o texto se refere, primeiramente, à Igreja de Cristo, ao povo santo de Deus. Mas não há dúvida de que não podemos ler este relato de São João sem pensar na sua conexão com outro, o do Gênesis 3,15-16, o famoso diálogo judicial entre Deus e a Serpente enganadora, no qual Deus diz à serpente: “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. À mulher, Deus disse: “Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Teu desejo te impelirá ao teu marido e ele te dominará”. Logicamente, que aqui não cabe uma explicação exaustiva do texto bíblico. Mas, é bom ao menos elencar dois elementos que são muito próximos nos textos do Gênesis e do Apocalipse: a Serpente-Dragão e a Mulher e sua descendência. Nos dois textos, o de João e o do Gênesis, é claro o antagonismo entre o Dragão e a Mulher. Em outras palavras, o que no Gênesis se anunciava como uma luta feroz, no Apocalipse se descreve esta luta como algo que está acontecendo na vida da Igreja, na vida de todos os fiéis seguidores de Cristo Jesus. É o que acontece todos os dias: uma batalha, o Dragão tentando vencer os discípulos de Jesus Cristo. O mal, porém, não vencerá. A descendência da mulher é perseguida pelo Dragão, por Satanás, mas Deus está a seu favor. Isto traz esperança a todos os membros da Igreja de Cristo. Estes dois elementos aproximam as duas mulheres – Eva e Maria.
Uma pergunta, todavia, permanece: Quem é a Mulher do Apocalipse? É a Igreja de Cristo? Sim! Apenas? Não! É também a Mãe do Senhor, ao qual ela deu à luz! Maria deu à luz não de modo simbólico, mas realmente. A concepção e o nascimento de Jesus, o Filho de Deus, são fatos, constituem um dado histórico. E por que João não identifica a Mulher? Creio que não precisaria fazer isso. No modo peculiar de João escrever, já no Evangelho, por duas vezes, ele chama a Mãe de Jesus de “Mulher”, nas bodas de Caná e aos pés da Cruz. Além disso, a maternidade espiritual de Maria, como a entendemos desde o Calvário, está ligada ao sofrimento pelos seus filhos, como as dores da primeira mulher, Eva. Então, não podemos imaginar que João não esteja também se referindo à Mãe de Jesus, Maria Santíssima. Penso ainda que esta leitura não é simbólica, mas apropriada, e como quer que venhamos a ler, ou ver a Mulher descrita como grandioso sinal celeste, não tenho dúvida de que Maria, imagem da Igreja, será a vencedora dessa batalha.


