O Aborto no Brasil

Dom JulioEndiAkamine- Arcebispo Metropolitano de Belém

Não pensava em ter que escrever sobre isso no momento, mas circunstâncias muito graves me obrigam.Encontra-se em vias de possível julgamento a “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental” (ADPF 442) que tem como objetivo aparente descriminalizar a interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre, ou seja, o aborto até 12 semanas.

Em 22 de setembro de 2023, a ministra Rosa Weber, à época, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação. Naquela ocasião ela era a relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que começou a ser julgada na madrugada de 22 de setembro de 2023, em sessão virtual. O julgamento foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso e, com isso, prosseguiria em sessão presencial do Plenário, em data a ser definida.

Em 17 de outubro de 2025, o ministro Roberto Barroso deu seu voto no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tem agora 2 votos favoráveis. O Ministro Barroso, iniciou seu voto declarando: “acompanho o voto da Relatora, por seus bem lançados fundamentos”.

A petição inicial na ADPF 442 coleciona uma série de negações de uma realidade que deveria ser óbvia, mas que deixou de sê-lo. Cito alguns trechos, pinçados de um documento de 62 páginas, mas queexpressam o argumento central e a finalidade principal dos autores da ADPF. Quem desejar averiguar se estou exagerando ou desvirtuando o conteúdo do documento, pode ler, pessoalmente,o inteiro teor em: https://www.conjur.com.br/dl/psol-stf-descriminalize-aborto-meses.pdf

Sob o pretexto de uma aparente defesa da dignidade da mulher, a arguição, na verdade, tem a clara finalidade de escancarar as portas para a aprovação do aborto em qualquer momento da gestação. Prova disso é o “dogma” que fundamenta toda a arguição: “O estatuto de pessoa só seria reconhecido após nascimento com vida(par. 48).

Outra afirmação “dogmática” sem fundamento na realidade é o que se refere à personalidade jurídica:“A personalidade jurídica, a possibilidade de considerar-se o surgimento de direitos depende do nascimento com vida” (par. 49).

As lucubrações pró-abortointroduzem uma “gradualidade” no reconhecimento de direitos humanos: “Estas três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana” (par. 48). Em outras palavras: há humanos que são mais humanos do que outros!Oargumento pró-aborto distingue entre o embrião, o feto e a pessoa humana. Uma vez que somente depois do seu nascimento alguém pode ser considerado pessoa humana, o embrião e o feto não devem ser considerados pessoas humanas!

Essas poucas citações levam a algumas conclusões que estarrecem. 1.Não existe direito à vida senão depois do nascimento com vida;2.mesmo que o direito à vida possa vir a existir, nenhum direito, nem mesmo o direito à vida, é absoluto (par. 50, 52); 3.o nascituro não possui dignidade de pessoa humana (par. 65, 67, 81, 103);4.tambémnão existe dignidade de pessoa humana se o seu sujeito não for capaz de autodeterminação, de projeto de vida e de valor comunitário.

A ADPF 442 pretende defender a dignidade da mulher, mas na sua argumentação deixa claro que o objetivo é a aprovação da lei do aborto.

Porque uma interpretação que legaliza o aborto é contrária à dignidade humana?Não aduzo convicções religiosas, mas obviedades que foram perdidas!

Ao abortar o filho, escolhe-se para ele a morte como se pudesse decidir matar. A interpretação que der esse direito torna essa escolha possível. Eleva-se assim o ato de matar a um direito legal reconhecido pela sociedade. Uma sociedade que não protege a vida humana é uma sociedade desumana e cruel.

A melhor maneira de ajudar uma mulher em dificuldade não é ajudando-a a eliminar uma vida, mas, sim, a resolver as suas dificuldades. Uma sociedade que não ajuda a mãe em dificuldade, que não usa o dinheiro dos impostos para promover e defender a vida, mas o investeem programas de aborto, é uma sociedade cruel e desumana.

A lei do aborto faz uma distinção entre ser humano e pessoa humana possuidora de direitos. Historicamente, os escravos foram os únicos seres humanos que não foram considerados pessoas humanas. Foram necessários milênios para superar a mentalidade que justifica a escravidão humana. A lei do aborto é um lamentável retrocesso em humanidade: se algum ser humano não for considerado pessoa, em que sociedade estaremos?

Em seu voto favorável à ADPF 442, o ministro Barroso argumentou: “Não se trata de aprovar o aborto, mas se o Estado deve ter o poder de mandar a Polícia, o Ministério Público ou o juiz obrigar uma mulher a ter o filho que ela não quer ou não pode ter, por motivos que só ela deve decidir. E, se ela não concordar em ter o filho, mandá-la para o sistema prisional”.

A petição inicial da ADPF 442, de fato, se apresenta dessa forma, mas os seus argumentos evidenciam que, se essa interpretação prevalecer o aborto será legalizado no Brasil. Não se deve esquecer que o argumento fundamental para descriminalizar o aborto está fundamentado na interpretação de que “O estatuto de pessoa só seria reconhecido após nascimento com vida” (par. 48). Uma coisa é a não penalização da mulher, que por motivos trágicos, comete o aborto, outra muito diferente é interpretar que o aborto não significa matar uma vida humana, que não é crime eliminar um ser humano. A lei precisa defender o direito fundamental à vida, mas pode, na sua aplicação, resolver não condenar a mulher que aborta.

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