Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Coadjutor de Belém
Um mestre da lei perguntou como podia receber em herança a vida eterna. É significativo que ele “se levantou” para perguntar. Trata-se de se pôr em uma postura de alguém que quer discursar e argumentar. De fato, ele se levantou para pôr Jesus em dificuldade. Mesmo que se dirija a Jesus chamando-o de “mestre”, o seu comportamento não é o do discípulo. Ele tem a intenção de se oporá autoridade de Jesus.
Jesus já tinha declarado aos 72 discípulos, que tinham voltado da missão, que os nomes deles estavam escritos nos céus (10,20). O mestre da lei quer saber como pode também ter o seu nome escrito nos céus: “o que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”
Jesus responde à pergunta com outra pergunta: “o que está escrito na lei?” O mestre da lei responde corretamente: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo com a ti mesmo”. A resposta é correta, porém, insuficiente, pois o mestre da lei sabe amar a Deus, mas desconhece o conteúdo do amor ao próximo; conhece a doutrina, mas não tem a sua prática. É a pergunta –e quem é meu próximo? – que revela, exatamente, que para o mestre do mandamento mais importante é uma bela teoria, mas não é a sua vida.
Ao contrário, a parábola do bom samaritano revela que o amor é, de fato, a vida de Jesus. Além disso, revela que do amor ao próximo depende a vida eterna para quem a deseja em herança.
Eis a parábola. Um homem foi vítima de um assalto e foi abandonado meio morto à beira do caminho. Este homem é, na verdade, qualquer pessoa que padece, justa ou injustamente, com ou sem razão. Por isso, ele, assim como o sacerdote, o levita e o samaritano, não tem nome.
Jesus é o bom samaritano que não quer saber das razões dos sofrimentos: se são merecidos ou não. Ele, simplesmente, oferece a sua ajuda quando constata a miséria e o sofrimento. Ele é bom samaritano porque a lei que o governa é a da necessidade do outro: se o outro está em dificuldade, Ele o ajuda, independente de seus merecimentos.
O sacerdote e o levita da parábola são os profissionais do “amor a Deus”. Eles viram o homem quase morto à beira do caminho, constataram a urgência do socorro, mas, indiferentes, seguiram adiante pelo outro lado. Esse comportamento revela que o “amor a Deus” deles era, na verdade, falso. A vida religiosa sem misericórdia concreta não passa de engano e autocomplacência.
Jesus não vê a humanidade como nós. Ele não a divide entre os que merecem ser amados e os que não. O nosso Bom Samaritano superou todas as barreiras que separam a nossa humanidade: as de religião, nação, classe social, raça, etc. O que importa para Ele é o amor a Deus que se compromete com o necessitado e o amor que gera comunhão entre as pessoas. É nesse campo das relações pessoais que deve penetrar o amor a Deus.
Em nosso Bom Samaritano, o amor de Deus penetrou tanto nas relações pessoais que as transformou, completamente: “sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”; “ele faz chover sobre justos e injustos; faz nascer o sol sobre bons e maus”. O amor de Deus se concretiza no amor ao próximo.
O amor de Jesus manifesta e revela o grande amor que Deus tem pelos seres humanos. Assim o amor de Jesus pelas pessoas é continuação do amor de Deus pelos homens. Toda vez que nós amamos como o nosso Bom Samaritano, vencemos Satanás e “trazemos” Cristo para o nosso mundo.
Santo Agostinho soube explicar com acerto a reciprocidade entre amor a Deus e ao próximo: o amor a Deus é o primeiro na ordem do preceito, e o amor ao próximo é o primeiro na ordem prática.