Dom Paulo Andreolli, SX – Bispo Auxiliar de Belém

Caríssimos leitores, já estamos avançando para a segunda semana do Advento em preparação ao Natal e cada vez mais queremos nos preparar para viver com alegria o mistério da Encarnação de Jesus, o príncipe da Paz. Para esta oportunidade conto com a colaboração do missionário Xaveriano, Padre René Casillas Barba, SX.

Inicialmente, lembramos que em tempos de ruptura e inquietação, o que significa receber o dom da paz? João Batista, no deserto, proclamava: “Arrependei vos, porque o reino dos céus está próximo” (Mateus 3,2). Esse anúncio inaugura uma paz que transcende o mero sossego interior, é shalom, a restauração das relações entre Deus, as pessoas e toda a criação.

O batismo com água, sinal de arrependimento, aponta para um batismo superior, “com Espírito e com fogo” em que o Espírito cria comunhão e o fogo purifica os frutos (Mt 3,11-12). A paz do Reino é, assim, dom recebido e desafio ético missionário: graça que se manifesta em conversões concretas e visíveis.

João contrapõe aparência religiosa e mudança efetiva. Ao advertir sobre a “raça de víboras” e exortar a dar “fruto digno de arrependimento”, rompe com a confiança em vínculos de origem e ritualismos estéreis. Exige transformação de vida. Essa dimensão profética revela que a paz cristã não se sustenta sem justiça e retificação das relações.

Essa exigência não é apenas pessoal, mas também comunitária e estrutural. Como lembra o Papa Francisco na Fratelli Tutti (2020), a paz não é ausência de conflitos, mas encontro e solidariedade que transformam estruturas. Walter Kasper reforça que a reconciliação cristã articula espiritualidade e justiça social, mostrando que a paz demanda reformas institucionais e relações justas (KASPER, 2009). Raniero Cantalamessa recorda que o Espírito fogo é princípio de purificação e impulso missionário, sem Ele, a paz permanece superficial (CANTALAMESSA, 2015).

A tensão entre misericórdia e juízo em Mateus 3 exige equilíbrio pastoral. A Igreja não pode oferecer conforto que anestesie, nem rigor que destrua a esperança. Por isso, é necessário cultivar uma catequese que una interioridade e compromisso social, liturgias penitenciais que invoquem o Espírito como fonte de paz, e projetos concretos de justiça que tornem visível a reconciliação prometida.

Comunidades que saem ao encontro do outro testemunham o batismo em Espírito e fogo, pois tornam a paz operante na esfera pública. Para o fiel, viver esse chamado demanda exame de consciência que se traduza em obras: reconciliação com os irmãos, reparação quando possível, serviço aos pobres. Implica também abertura contínua à ação do Espírito por meio dos sacramentos e da oração, além de engajamento comunitário pela promoção do bem comum.

Receber o Espírito fogo significa aceitar a purificação e envio, ser instrumento da paz de Deus no mundo. Assim, Mateus 3 lembra que a paz do Reino é dom que habilita e missão que exige: um convite a transformar corações e estruturas até que o trigo e a palha se distingam pelo fruto de vida nova.

Caros leitores, o dom da paz nos leva a uma reflexão sobre nossa caminhada neste tempo do Advento. E cabe aqui reforçar as palavras do Papa Francisco (2018):

O tempo do Advento é um tempo para nos preparar a esta vinda do Príncipe da paz. É um tempo para nos pacificar. Antes de tudo, trata-se de uma pacificação conosco, pacificar a alma. Muitas vezes, nós não estamos em paz, mas ansiosos, angustiados, sem esperança. E a pergunta que o Senhor pode fazer é: Como está a sua alma hoje? Está em paz? Se não estiver, peça ao Príncipe da paz que a pacifique para se preparar ao encontro com Ele.

Todas as vezes que vemos que existe a possibilidade de uma pequena guerra, seja em casa, seja no meu coração, no trabalho, parar e buscar fazer as pazes. Nunca, nunca ferir o outro. Nunca. E como posso começar para não ferir o outro?Não falar mal dos outros, não lançar o primeiro canhão. Se todos nós fizermos isso –não falar mal dos outros – a paz irá avante.

Que o Senhor nos prepare o coração para o Natal do Príncipe da paz. Mas nos prepare fazendo o possível, da nossa parte, para pacificar: o meu coração, a minha alma, a minha família, o bairro, o local de trabalho. Sejamos homens e mulheres de paz!

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