Dom JulioEndiAkamine, SAC – Arcebispo Metropolitano de Belém

 O “fim do mundo” é uma notícia consoladora de esperança, uma vez que a fé no retorno do Senhor para julgar consiste em acreditar que o mundo se move em direção a Jesus Cristo. No fim de tudo acontecerá o triunfo da verdade, da liberdade e do amor. Não é, portanto, uma força anônima que destruirá tudo. Pelo contrário, será uma Pessoa que tudo levará à plenitude.

Crer no fim do mundosignifica que o mundo não findará por um processo físico automático e necessário. Ele chegará ao seu fim-finalidade a partir de decisões da liberdade. O sentido de tudo não será o resultado de um processo natural e sim da responsabilidade baseada na liberdade. Por isso, a volta do Senhor será a Sua vinda como juiz dos vivos e dos mortos. A fé no fim do mundo e na vinda do Senhor como juiz desperta a consciência da responsabilidade humana, opondo-a a falsa confiança de quem acredita ser suficiente dizer “Senhor, Senhor!” para entrar no Reino.

Isso tudo faz com que o cristão leve a sério o exercício de sua liberdade. Trata-se de liberdade dada por Cristo, é verdade, mas verdadeira liberdade, a qual não é suprimida pela graça divina. O destino definitivo do mundo e de cada ser humano não é imposto por Deus. Parafraseando Santo Agostinho, podemos dizer que o Criador nos fez sem nós, mas Ele não nos salvará sem nossa liberdade. A onipotência divina se manifesta ainda mais no fato de fazer a liberdade humana cooperar com a graça do que em criar sem essa cooperação.

Nesse sentido,a fé cristã afirma tanto a eficácia da graça quanto a responsabilidade do cristão. A salvação é dom e responsabilidade. A vinda do Senhor como juiz incute tanto a alegria e a confiança do Evangelho da graça que nos arranca da própria impotência, quanto a seriedade da responsabilidade que nos é exigida em nosso cotidiano.

O cristão vive, por um lado, a serenidade de quem foi libertado do pecado e posto na justiça superabundante que é Jesus Cristo e, por outro, a responsabilidade de saber que com Deus não se brinca.O cristão tem, por um lado, a consciência jubilosa de que nada pode destruir o que Deus fez e que o Seu amor é sem arrependimento. Sabe tambémque deve levar Deus a sério e que deverá prestar contas dos dons que lhe foram confiados. O julgamento final põe o cristão diante de Jesus que irá perguntar sobre a responsabilidade e o modo como a liberdade foi usada.

Uma vez que recitamos sempre o “Creio”, continuamente, somos chamados a levar nossa vida a sério e é, exatamente, essa seriedade que confere dignidade ao nosso viver.

O julgamento dos vivos e dos mortos se dará de acordo com as obras de cada um, ou seja, sem minimizar a responsabilidade do cristão,revelará a disposição secreta dos corações. Não será uma ação extrínseca, ao contrário, tornará evidente a verdade de cada um. O dom de Deus é sem arrependimento, mas para alcançar a salvação é indispensável aceitá-lo com todo o coração, e é o julgamento do último dia que revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor de Deus.

Nesse sentido, a fécristã apresenta as obras de misericórdia não como moeda de troca, mas como sinais reveladores das disposições interiores de cada um. Com efeito, a atitude em relação ao próximo revelará o acolhimento ou a recusa da graça e do amor divino. Jesus dirá no último dia: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes”.

Professar que o Senhor virá para “julgar os vivos e os mortos” significa crer que o desfecho do mundo não depende de nós, mas está nas mãos de Deus, que a última palavra sobre este nosso mundo não será dada pela injustiça. Temos a certeza fundada de que a última instância de apelação que garante a justiça e o amor é a do Senhor Jesus.

Quem vem para julgar os vivos e os mortos não é um deus qualquer, indefinido, desconhecido. O julgamento foi confiado a Jesus que, como homem verdadeiro, é nosso irmão. Assim não é um estranho que nos julgará, mas Aquele que nós conhecemos pela fé. Não seremos postos perante um juizque nos desconhece, mas diantedAquele que se tornou um de nós pela encarnação, que conheceu e sofreu nossa existência humana em todos os seus aspectos.

Por isso, o julgamento dos vivos e dos mortos não será apenas o “dies irae” (dia da ira). Será, sobretudo, o dia da volta do Senhor. O cristão, enquanto caminha nesta vida recita tanto o “dies irae”quanto o “Maranatá” (vem Senhor Jesus)!

Naquele dia do temor, o cristão perceberá, surpreso, que Aquele a quem ‘foi dado todo o poder no céu e sobre a terra’ (Mt 28,18) foi, na fé, o companheiro de seu dias na terra, e é como se lhe impusesse as mãos já agora, nas palavras do Símbolo, para dizer: ‘Não tenha medo, sou eu’. Talvez seja esse pensamento, que é o pano de fundo de nosso Credo, a melhor resposta para o problema intrincado do juízo e da graça” (RATZINGER, J. Introdução ao Cristianismo, 240).

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