Por Dom Alberto Taveira Corrêa
São Camilo de Lellis, comemorado pela Igreja na próxima segunda-feira, dia quatorze de julho, fundador dos Ministros dos enfermos, “Camilianos”, foi um homem de tamanha piedade e compaixão pelos doentes e moribundos e por todos os pobres e miseráveis. Em sua atribulada e diversificada vida, experimentou o afeto familiar, a orfandade, as aventuras de um jovem perdido na vida, engajou-se como soldado, sentiu o maravilhoso sabor da conversão, tentou ser capuchinho, descobriu a dor da enfermidade e das feridas que por anos o incomodaram. Em suma, rico percurso de fraquezas, vitórias, ousadia e abertura para Deus. No meio de tudo isso, o maravilhoso fio condutor de sua vida foi a caridade, na força das palavras do Evangelho que se estamparam em seu coração com letras de fogo: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40) Várias vezes, cuidando dos doentes, chamava-os com o nome de Jesus, tal a convicção com que esta verdade o havia atraído. E nós todos teremos um exame final, cujas perguntas já nos foram antecipadas pelo Senhor. Todos os homens e mulheres da história serão julgados pelo amor! Realidade provocante e ao mesmo tempo consoladora, que nos oferece a oportunidade para refletir sobre as muitas possibilidades que temos para amar o próximo. De fato, a caridade, que apaga uma multidão de pecados (1Pd 4,8), tem muitas faces e está disponível à boa vontade de todos.
A luz que ilumina hoje nossas descobertas e passos vem da magnífica parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 15-37). Os muitos caminhos da humanidade em nossos dias se parecem com estradas que desciam de Jerusalém para Jericó, não muito aconselháveis àquela época. Não é difícil recordar que nossos pais e avós nos alertavam com firmeza sobre o perigo das más companhias e dos maus caminhos. Multiplicam-se, literalmente, a violência, os atentados à vida e as cenas da humanidade caída à beira do caminho. As notícias de mortes causadas pelas guerras e por tantas outras provocações continuam a povoar nosso imaginário e nossas preocupações. Causa estupor a quantidade de recursos hoje existentes e a multiplicação de atos e iniciativas pensadas para destruir a vida. E até se reforça, em muitas partes do mundo, o incentivo aos armamentos de todo calibre e ao porte e uso de tais equipamentos. Parece natural que todos se sintam no direito de estar armados até os dentes, ou cercados de muros, alarmes e vigilância, porque ameaçados dia e noite em sua integridade. Entretanto, a vida cristã oferece a alternativa da não-violência ativa, expressão tão querida a um dos nomes mais significativos da vida da Igreja no Brasil, Dom Helder Câmara, que mantém sua força e atualidade.
Diante da pergunta sobre o maior mandamento, Jesus não oferece uma resposta teórica, mas conta uma história. Sabemos que o Bom Samaritano por excelência é o próprio Senhor Jesus, que desceu do Céu para inclinar-se sobre a humanidade, espalhou a força de seu amor e dos sacramentos, simbolizados no óleo e no vinho derramados sobre as feridas do homem caído, tendo-o levado em sua própria montaria, a Cruz, à hospedaria, a Igreja, para dele cuidar até sua volta no fim dos tempos, assumindo todas as responsabilidades: “No dia seguinte, pegou dois denários e entregou-os ao dono da pensão, recomendando: ‘Toma conta dele! Quando eu voltar, pagarei o que tiveres gastado a mais’” (Lc 10,35). “Os dois denários são entendidos como os dois testamentos, a Antiga Lei e os profetas, a Nova Lei do Evangelho e as instituições apostólicas. Os pastores da Igreja farão frutificar estes denários que, quanto mais são dados, mais se multiplicam” (cf. Severo de Antioquia, Hom. 89)
“A base dos dois mandamentos é a caridade, e a ordem é diversa: Deus está no primeiro lugar, e o próximo em segundo lugar. Quem é o Samaritano senão o próprio Salvador? Ou quem exercer maior misericórdia para conosco, feridos pelo medo, as tristezas e os vãos prazeres? Só Jesus é o médico para estas feridas. É ele quem derrama o vinho, o sangue da uva da vinha davídica. É ele que das vísceras do Espírito extrai o óleo da unção e o espalha largamente. É ele que nos envolve com as faixas da salvação, a fé, a esperança e a caridade. É ele que convoca anjos e arcanjos, para que nos assistam com sua presença. É necessário amá-lo, como amamos Deus, pois ele é Deus. Ama Cristo quem faz a sua vontade e observa seus preceitos. ‘Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor! Senhor!’, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus’” (Mt 7,21) (cf. Clemente de Alexandria, Quis dives, 27-29).
E como “quem der, ainda que seja apenas um copo de água fresca, a um desses pequenos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não ficará sem receber sua recompensa” (Mt 10,42), valem todos os gestos de amor feitos em consequência do próprio amor de Deus, derramado em nossos corações. Pode acontecer que nosso fraco julgamento estabeleça comparações injustas entre as coisas que as pessoas podem fazer pelas outras! Há uma infinidade de gestos simples e escondidos, a partir do centavo dado segundo o modelo da viúva pobre do Evangelho. Chame-se esmola ou ato de caridade, nada fica esquecido por Deus!
Muitas pessoas experimentarão o convite a participarem do que podemos chamar de “caridade organizada”, quando se comprometem em ações de solidariedade e misericórdia na Igreja e na Sociedade, como aquelas feitas pela Cáritas ou pelas Obras Sociais das Paróquias. Outros serão chamados por vocação a entrarem em famílias religiosas dedicadas à caridade. Outra manifestação da caridade é o engajamento em entidades que cuidam da promoção humana e a defesa da dignidade das pessoas, com uma sensibilidade apurada diante das violações dos direitos humanos. A elas cabe a tarefa de serem pontas de lança, ajudando a manter acesa a vigilância cristã, com o anúncio e a denúncia próprias dos servidores do Evangelho, sem desvalorizar os gestos mais simples de pessoas e grupos. Cabe-lhes ainda identificar e estabelecer canais de colaboração com outros grupos da sociedade também especialmente interessados no serviço aos mais pobres.
A Doutrina Social da Igreja abre ainda um vasto campo para o exercício da caridade, quando declara que um de seus princípios é o Bem Comum! Abre-se o horizonte da caridade para o conjunto da sociedade: “As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada época e estão estreitamente conexas com o respeito e com a promoção integral da pessoa e dos seus direitos fundamentais. Essas exigências referem-se ao empenho pela paz, à organização dos poderes do Estado, a uma sólida ordem jurídica, à salvaguarda do ambiente, à prestação dos serviços essenciais às pessoas, alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação, morada, trabalho, educação e acesso à cultura, saúde, transportes, livre circulação das informações e tutela da liberdade religiosa. O bem comum empenha todos os membros da sociedade… O bem comum exige ser servido plenamente, não segundo visões redutivas subordinadas às vantagens de parte que se podem tirar, mas com base em uma lógica que tende à mais ampla responsabilização. O bem comum correspondente às mais elevadas inclinações do homem, mas é um bem árduo de alcançar, porque exige a capacidade e a busca constante do bem de outrem como se fosse próprio” (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 166-167). Os próximos meses, quando nos preparamos para o evento da COP 30, a se realizar em Belém, pedem de todos nós uma abertura crescente para o largo espectro da caridade, conduzidos pelo Bom Samaritano, sabendo-nos muitas vezes caídos à beira do caminho e estendendo os braços para inclinar-nos e elevar os que estiverem machucados.