Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Metropolitano de Belém
Um dia, fui celebrar na minha paróquia de origem. Concluída a missa, um senhor me esperava na sacristia. Ele se identificou; era um antigo amigo de infância. Imediatamente, as lembranças afloraram. Vindas de um passado distante, encobertas pela poeira do tempo e do esquecimento, recuperamos juntos acontecimentos e lembranças da infância. Foi um reencontro tão inesperado quanto feliz. Depois de nos despedirmos, voltei para casa com um sentimento de tristeza: mesmo que tivéssemos partilhado uma infância juntos, reconhecia com clareza crescente que não tínhamos mais nada em comum. Tínhamos feito caminhos diferentes e não havia esperança de uma amizade futura. Foi o que aconteceu: nunca mais nos reencontramos.
Essa experiência triste, me faz pensar no julgamento de Deus. Normalmente, imaginamos esse julgamento como um comparecer frente a um juiz que abrirá o livro onde estão registradas as nossas ações boas e más. A imagem mais correta, porém,talvez seja a do reencontro: será com um amigo do passado ou com o Amado da alma?
Não podemos negar que vamos sofrer um julgamento. O julgamento divino, porém, não é extrínseco. Pelo contrário, revela a verdade interior de nós mesmos e faz despertar a consciência pessoal.
Tudo está destinado a voltar a Deus. Todas as criaturas foram por Ele feitas, e para Ele vão retornar. Mesmo que a história externa e profana pareça desmentir esse final, a fé nos faz ver que tudo corre para o fim que é Deus. Essa volta das criaturas para Deus não acontece, porém, de modo automático. Por isso, o êxito final da criação e da história em Deus não dispensa um discernimento e um julgamento. Deus quer realizar os seus desígnios de salvação com a cooperação humana. Daqui decorre a necessidade de que a manifestação dos seus caminhos tenha esta dimensão de julgamento dos seres humanos e de suas ações.
É preciso estar ciente de que a justiça divina é, essencialmente, a salvação. Por isso o julgamento divino representará a vitória sobre todas as injustiças. No julgamento, Deus aparecerá como o defensor dos pobres e dos fracos. A face escondida da história, que nós não conseguimos conhecer e que tantas vezes nós contribuímos para que ficasse ainda mais obscura, se tornará manifesta. O julgamento de Deus não será a explosão da vingança e do ódio; pelo contrário, significará o triunfo do amor divino. Tudo isso não anula o santo temor de Deus, que dará a cada um segundo as suas obras e do qual esperamos misericórdia no momento do julgamento.
A mensagem do julgamento final significa um chamado à conversão, ao esforço sério pelo Reino de Deus e pela sua justiça. A sua mensagem inclui também um anúncio de esperança.
Voltemos para o episódio do reencontro com o amigo de infância. Imagino o julgamento divino como esse reencontro. Qual será o meu julgamento? Reconhecerei entristecido que tive em comum com Deus somente uma lembrança distante no passado, ou exultarei por estar na presença do Amado? Deus será para mim um amigo do passado ou será Aquele que nunca deixei de buscar e de amar? Terei que admitir para mim mesmo que Deus nunca foi essencial em minha vida ou experimentarei a felicidade de, finalmente, poder ver a face d´Aquele que sempre desejei?
Para concluir, proponho uma oração inspirada em Santa Tereza de Jesus.
Se te amo, ó Tesouro meu, não é pelo Céu que me prometeste.
Se temo ofender-te, não é pelo inferno com o qual sou ameaçado.
O que me atrai a ti, ó Tesouro meu, és tu, somente tu:
é ver-te pregado à cruz, com o corpo maltratado, na agonia da morte.
E teu amor apoderou-se de tal forma do meu coração que,
mesmo que o Paraíso não existisse,
assim mesmo eu te amaria;
se não existisse o inferno,
temer-te-ia do mesmo modo.
Tu nada precisas me prometer,
nada precisas me dar para provocar meu amor.
Ainda que não esperasse aquilo que espero,
amar-te-ia como te amo.




