Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Coadjutor de Belém
O livro do Eclesiastes é um livro estranho pelo seu pessimismo e pela visão que tem do mundo e da vida. E, exatamente por isso, é um livro muito atual, pois ele faz a inevitável pergunta: “a vida tem sentido?”
Atenção: o Coélet – o outro nome do Eclesiastes – não quer saber qual é o sentido da vida, mas se existe algum. Assim o Coélet revela o maior medo da modernidade, que não é o medo da morte (Idade antiga), nem do pecado e do inferno (Idade média), mas o da falta de sentido. E a resposta escandalosa do Coélet sobre o sentido da vida é também moderna: nenhum sentido há! Basta ler o início e o fim do Eclesiastes para se dar conta dessa afirmação perturbadora: Vaidade das vaidades – diz o Eclesiastes – vaidade das vaidades, tudo é vaidade!(1,2; 12,8). O livro começa e termina com quase as mesmas palavras.
Diferente dos outros livros da Bíblia, o Coélet não observa a realidade com a luz sobrenatural da fé. Sua câmera não tem acoplada o flash da fé. Ele observa a vida neste mundo unicamente com a luz disponível “debaixo do sol”. É a observação da razão natural. O livro do Coélet é a reflexão mais nua e crua sobre a superfície da vida, retratada com honestidade brutal.
Para o Eclesiastes, o mundo e a vida humana não têm razão nem finalidade (um para quê e um porquê), há somente o fim, ou seja, a morte e o retorno ao nada. Aquilo de que mais precisamos – uma razão para viver e morrer –, simplesmente, não existe. De modo indireto, o Coélet descreve a essência do inferno não como sofrimento, mas como o nada, a falta de sentido e o gelo do vazio. Em uma palavra certeira: vaidade, ou seja, névoa efêmera, nuvem passageira, vazio.
A consequência prática dessa falta de sentido (niilismo) é o hedonismo. Uma das investigações do Coélet se volta para o “princípio do prazer”: a vida precisa ser vivida como um divertimento no Titanic da existência. E tal princípio é examinado com a mesma implacável honestidade de reconhecer que isso é também vaidade, que acaba no nada.
Você acha isso exagerado? Então pense: uma pessoa se mata de cansaço o dia todo, perde o sono e anos de vida para formar um patrimônio; enfrenta riscos para aumentar seus bens; e, no fim, antes que perceba, chega o momento em que deve deixar tudo. Quem vai se aproveitar de tudo o que acumulou? Quem vai receber de mão beijada o fruto suado de toda a sua fadiga? Alguém que talvez nem seja o seu filho! Se é assim, melhor fazer como aconselha o Eclesiastes: desfrutar enquanto vivo das próprias riquezas. Isso, no entanto, não evita que nossa vida acabe na morte e no nada (Eclo 1,2; 2,21-23; Lc12,13-21).
Não há outro modo de viver? Outro modo de enfrentar as canseiras desta vida? Vivemos só para desfrutar de alegrias pequenas e provisórias que qualquer doença ou acidente destrói? E se, por muita sorte ou cuidado, formos poupados desses incidentes, deveremos enfrentar uma longa e penosa decadência rumo à morte?
Esse estranho livro inspirado do AT preparou, paradoxalmente, o Evangelho, pois a vaidade do Coélet não rege a vida de Jesus. A parábola do rico insensato (Lc 12,13-21) retoma a revelação perturbadora do Coélet e a supera.
Na parábola, o rico é chamado de insensato não porque não aproveitou em vida de sua riqueza, mas porque só “ajuntou tesouro para si mesmo”, não foi “rico diante de Deus” e porque “a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. Dito de maneira positiva: a vida autêntica consiste em “ajuntar tesouro no céu” e em ser “rico para Deus”. A insensatez do rico não se mede pelos bens que deixa de desfrutar nesta vida, mas por aquilo que perde da vida eterna.
A leitura de Colossenses afirma com todas as letras: “a ganância é idolatria”(Cl 3,5; cf. 1Cor 10,6; 1Tm 6,9-10; Pr 30,8-9). Sim, idolatria, porque o dinheiro deve ser nosso escravo e não nosso senhor; nós nos servimos do dinheiro, não devemos servir ao dinheiro. Ao ídolo se sacrificam a vida, a saúde, o sono, os amigos, a família, os afetos, a honestidade, os pobres. Por isso, é preciso “tomar cuidado contra todo tipo de ganância” (Lc 12,15)!
“Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração”(Mt 5,21). Vivemos em uma sociedade que põe a busca da felicidade no dinheiro, nas posses e no prazer. Pior do que isso: o mundo vive assim porque não tem coragem de pôr Deus no centro da existência: “Vaidade das vaidades” (Ecl 1,2).
São Paulo nos dá um conselho precioso: “aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,2). O que são as “coisas celestes”? É uma vida que se afasta dos vícios da “imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça que é idolatria” (3,5). Quem age assim já começou a encontrar o tesouro que não cabe em celeiros e só pode ser guardado no coração. Estamos em continuidade com as bem-aventuranças: o pobre é bem-aventurado porque tem o tesouro do Reino do Céus, porque quem trabalha e partilha os bens não tem tempo para acumular tesouro na terra.
Quem tem o olhar fixo nas coisas celestes, isto é, em Jesus ressuscitado e a nossa vida com Ele, poderá ganhar, sem egoísmo e agitação, o pão de cada dia e também todo o resto com mais serenidade e esperança de imortalidade no coração. Olhar para Jesus não prejudica o exercício de nossa responsabilidade neste mundo. Ao contrário, faz com que tratemos as coisas deste mundo com maior responsabilidade e de maneira muito melhor dos que só vivem, insensatamente, para acumular tesouros para si.