Conversa com meu povo: A raiz e a árvore

Devoção é prova de amor! Manifestar através de gestos o quanto se quer bem, entregar-se de corpo e alma às causas que movem a existência, expressar a própria fé com carinho, deixar que o coração transborde de alegria, exultar por aquilo que se passa dentro de nós! Tudo isso faz parte de nossa vida cristã e do modo cristão de encarar o mundo! Não somos apenas cabeça pensante, mas pessoas que amam e se dedicam àquilo em que acreditam. Durante algumas semanas, o povo de Belém mostrou o que tem de melhor, no Círio de Nazaré, expressão legítima de sua raiz religiosa cristã, católica e mariana. Todos ficaram edificados pela presença da “Estrela da Evangelização”, aquela que caminha à nossa frente na aventura da fé cristã. Tivemos imensa liberdade para manifestar, através dos vários ícones com que nossa história religiosa enfeitou essas provas de amor e devoção, as cordas de amor tecidas pela Virgem Maria para nos unirem ao seu Filho amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, para o qual vivemos e caminhamos, na maravilhosa aventura da fé.
 
O contato de Jesus com as pessoas e os grupos religiosos de seu tempo foi marcado por muitos conflitos, pela liberdade imensa com que suas palavras e atitudes propunham um caminho diferente, a ponto de atrair as multidões que a ele acorriam. Havia uma novidade no ar, e esta era feita de coisas muito simples. Sua pregação, enfeitada com parábolas tiradas do quotidiano e da natureza, atraía a todos! Os inúmeros mandamentos e preceitos com os quais gerações de entendidos na lei haviam multiplicado verdadeiros penduricalhos, dificultavam a prática religiosa. Grupos como os fariseus e saduceus, inimigos entre si, tinham em comum o desejo de preparar armadilhas ardilosas contra Jesus, que consegue escapar de todas elas com sabedoria. Certamente era duro para tais pessoas encontrar alguém que simplificava tanto a lei, reduzindo “apenas” ao amor toda a imensa riqueza da lei! (Cf.  Mt 22,34-40)
 
O maior e primeiro mandamento, raiz de nossa vida, é “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!”, responde Jesus a uma pergunta provocante, feita por um fariseu, membro de um grupo considerado “separado”, pela dedicação ao estudo e meditação da lei. Eram tão competentes na observância dos preceitos que se tornaram convencidos da própria justiça, permitindo que o veneno do orgulho lhes impedisse a liberdade nascida da gratuidade, que é a fonte do amor verdadeiro. Julgavam a todos e consideravam fraca na prática religiosa a imensa multidão, vista como ignorante. E justamente o povo simples se sentia atraído por Jesus.
 
 
Este, quando remete seu interlocutor ao maior mandamento, logo acrescenta que o segundo é “semelhante”: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. A raiz se expressa na grandiosidade da árvore frondosa que é o amor ao próximo. Aliás, quanto mais se aprofunda o sentido do amor a Deus, mais se dá conta de que este é real e verdadeiro quando conduz ao amor ao próximo, a ponto de a primeira carta de São João (1 Jo 4,20-21) afirmar: “Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão”. 
 
A liturgia da Igreja põe ao lado do Evangelho de São Mateus, neste final de semana, o magnífico e atualíssimo texto (Ex 22,20-26), no qual se abrem algumas indicações muito concretas para o amor ao próximo. Uma delas é o amor ao estrangeiro, que não venha a ser oprimido! Em nossos dias, a provocante presença de gente “de fora” em nossas grandes cidades e o fenômeno das migrações forçadas e das perseguições pelo mundo afora pedem atitude de abertura e criatividade de nossa parte. E desde tempos do livro do Êxodo, Deus, protetor dos órfãos e das viúvas, continua clamando pelos frutos da caridade concreta com que devemos acolher os mais pobres e excluídos. Mais ainda: o uso do dinheiro, o lucro absurdo, a exploração e a agiotagem, a chaga da corrupção, a vergonhosa troca de favores e proveitos, escandalosamente estampada diante de todos! De nossa parte, como cristãos chamados a anunciar um mundo diferente, pautado na lei de Deus, não é possível qualquer acomodamento. Antes, uma prática do amor ao próximo que purifique nosso trato com os outros. 
 
Próximo, num primeiro momento, pode ser o parente ou quem é da própria raça (Cf. Lv 19,18; Dt 15,3). No tempo de Jesus, havia uma discussão, para estabelecer os limites do que significava “próximo”. Perguntado sobre o assunto, Jesus respondeu com a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). Resolveu o problema, fazendo com que próximo seja aquele de quem cada um de nós se aproxima, a ser amado, e pronto! Mais ainda, o mandamento que mais lhe agrada é amar como ele amou e tornar recíproco tal amor (Jo 15,12-13). Aqui está a estrada mestra para uma convivência justa e fraterna, capaz de curar os males da sociedade. O mesmo amor, raiz, galhos, flores e frutos, plantados por Deus no coração humano.
 
Os cristãos são chamados a ser missionários desse amor, para transmiti-lo a todos, sem medo algum, conscientes de sua vocação de sal, luz e fermento, sinais de um mundo renovado. Que o façam com devotamento, dedicação total, amor incontido e alegre!
 

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