Conversa com meu povo: A revolução do Evangelho

As sucessivas gerações de políticos e governantes falam de reformas, tempo novo, mudanças, transformações. Infelizmente, parecemos girar em torno do mesmo eixo, sem enxergar efetivas mudanças. Nós, cristãos, podemos proclamar, mesmo com os nossos eventuais e muitos limites, não as reformas, mas verdadeira revolução, aquela que vem do Evangelho, sem a qual o mundo não sai do lugar, pois as estruturas internas permanecem as mesmas. Só que, para o cristão, falar em revolução não significa pegar em armas ou bombardear cidades ou bairros, mas mudar o coração. E nossa carta de princípios se encontra no Sermão da Montanha. Diante de algumas normas vigentes da antiguidade até hoje, Jesus toma a palavra: “Ouvistes que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ Ora, eu vos digo: não ofereçais resistência ao malvado” (Mt 5, 38-39). E ele e seus discípulos querem superar esta lei!
 
 

 
 

Um herói da não violência, Martin Luther King, escreveu palavras de uma atualidade desconcertante: “Os oceanos da história permanecem turbulentos pelas ondas sempre presentes da vingança. O homem não se levantou até hoje acima da lei do Talião: ‘Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé’. Mesmo sabendo que a lei da vingança não resolve qualquer problema social, os homens continuam a seguir sua desastrosa orientação. A história ressoa o rumor do desmoronamento de nações e pessoas que seguiram este caminho autodestrutivo. Jesus afirmou com eloquência do alto da Cruz uma lei maior. Ele sabia que a antiga lei do olho por olho e dente por dente tornaria todas as pessoas cegas, e não procurou vencer o mal com o mal, mas venceu o mal com o bem. Crucificado pelo ódio, respondeu com amor ‘agressivo’. Que magnífica lição! Gerações surgirão e cairão, os homens continuarão a adorar o deus da vingança e a prostrar-se diante do altar do talião, mas sempre de novo esta nobre lição do Calvário continuará como advertência de que só a bondade pode eliminar mal e só o amor pode enfrentar o ódio” (Cf. La forza di amare, SEI, Torino, 1994, pág. 65).
 
A tarefa da Evangelização traz consigo o desafio de práticas diferentes, nascidas do mandamento do amor, fio condutor do Sermão da Montanha. Trata-se de uma perene novidade, com todas as condições para revolucionar positivamente a vida humana e a sociedade e superar os impasses sempre atuais, decorrentes da voracidade com que grupos e as pessoas se destroem continuamente, pois competem apenas pelos próprios interesses egoístas. Nunca é demais repetir que o primeiro e basilar princípio do Ensinamento Social da Igreja é o bem comum, infelizmente distante das lides e lutas que assistimos diariamente.
 
Evangelizar é fazer diferente, nadar contra a correnteza, começar de novo a perdoar, olhar ao redor para prestar mais atenção às pessoas, estimular novos comportamentos, fazendo de nossas comunidades cristãs verdadeiros laboratórios de paraíso aqui na terra, na superação do sempre vigilante e emergente egoísmo, filho predileto do maligno!
Para entender e praticar o Evangelho, é necessário começar do alto: “Sede, portanto, perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48) ou, se quisermos, ouvir a versão de São Lucas: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36). O modelo não está na terra ou nas leis aqui vigentes, mas vem do Céu, do Pai das Misericórdias. Se quisermos revolucionar em paz o mundo, a misericórdia há de passar na frente, e o espírito de revanche e vingança tem que ser superado. Ou, podemos falar de vingança de amor, como o Senhor nos propõe.
Um processo na justiça por causa de uma roupa ou dois mil passos a serem percorridos, não virar as costas a quem pede emprestado! (Cf. Mt, 5, 40-42). Exigente, mas não impossível! A quem tem fé cabe interpretar todas as situações, mesmo as mais complicadas, a partir do amor de Deus já recebido dele, dando um salto de qualidade para melhor, superando a tendência à represália ou pedidos de indenização. Só assim se quebra a terrível cadeia da violência e o individualismo galopante, cuja raiz se encontra no coração humano. O apelo é a confiança na justiça de Deus, que é sempre mais perfeita do que a humana! 
 
São Paulo expressa de forma muito bonita e concreta estas atitudes nascidas do amor misericordioso de Deus: “A ninguém pagueis o mal com o mal. Empenhai-vos em fazer o bem diante de todos. Na medida do possível e enquanto depender de vós, vivei em paz com todos. Caríssimos, não vos vingueis de ninguém, mas cedei o passo à ira de Deus, porquanto está escrito: ‘A mim pertence a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor’. Pelo contrário, se teu inimigo estiver com fome, dá-lhe de comer; se estiver com sede, dá-lhe de beber. Agindo assim, estarás amontoando brasas sobre sua cabeça. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal pelo bem” (Rm 12, 17-21). 
 
O Evangelho fala de amor aos inimigos! Este amor vai além da amizade, supera os acordos de conveniência, olhando para Deus, que é acolhido como referência do comportamento humano. Diante do diferente ou do inimigo declarado, e até da pessoa que ameaça a nossa fé, o Evangelho pede para amar. E amar é estar dispostos a dar a vida pela outra pessoa, vê-la como irmão ou irmã, e não como concorrente. Pode parecer idealismo sem fundamento na realidade, alguns chamarão de utopia diante da vida que é muito dura e cada um precisa se arranjar.
 
No entanto, há um espaço no qual podemos começar a mudar o mundo, e é a nossa convivência diária, onde dá para ser diferentes, um dia depois do outro. E quiçá encontremos homens e mulheres de boa vontade, dispostos a ampliar esta revolução pacífica no âmbito mais amplo das decisões políticas, Esperamos que assim seja, pois o quadro em que nos encontramos, visto apenas do ângulo humano, chega a ser desesperador! É hora de confiar em Deus e pedir-lhe que converta os corações, de forma a suscitar valores diferentes, capazes de reacender a esperança.

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