Conversa com meu povo: Domingo de Ramos – Bendito o que vem!


“É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida. E assim, eu a recebo de novo. Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi do meu Pai” (Jo 10, 17-18). Aquele que foi incompreendido, perseguido, julgado e preso, para ser conduzido à morte ignominiosa, entra em Jerusalém aclamado pelas crianças e pela plebe espalhada pelas ruas, gente que tinha chegado para as festas pascais dos judeus. Ocorre um misto de espanto e de alegria, com as autoridades civis e religiosas estarrecidas diante dos fatos. Às escondidas, corre solta a conspiração contra Jesus. De sua parte, Jesus transforma prisão, tortura, cravos e Cruz em oportunidade preciosa para entregar-se livremente, realizando o misterioso desígnio da Trindade Santa. O réu se torna juiz! É a grandeza escondida atrás dos farrapos de um condenado com que estará a caminho do Calvário, mas visto agora, no início da semana, conduzido em glória e aclamações pelas ruas da cidade.
 
 

   
 
 

A Igreja nos propõe repetir em nossas ruas os gestos de aclamação com os quais Jesus foi recebido em sua cidade. Por ela, o Senhor tinha chorado a ingratidão. A ela se encaminhou com coragem e firmeza. E agora Ele se deixa levar pelo povaréu que se postou nas estradas da redondeza. A Jerusalém Jesus tinha ido algumas vezes. Quando adolescente, esteve com sábios do Templo, interrogando e respondendo perguntas. Em outras ocasiões, especialmente nas festas judaicas, às claras ou veladamente, se fez presente, purificou o Templo com o chicote de sua palavra e de seus gestos, aceitou o confronto expresso em perguntas maldosas. Agora, sua glória vem num jumentinho, montaria dos pobres, os mantos reais são as roupas do próprio povo, ou os ramos de palmeira apanhados pela estrada. O coro de hosanas brota da boca das crianças que, mesmo sem serem “contadas” nos recenseamentos, não podem calar-se e se manifestam poderosas!
 
Mistério da condescendência da bondade de Deus. A entrada de Jesus em Jerusalém abala os conceitos humanos de poder, honrarias, títulos e outras tantas grandezas. Propomos a meditação do mistério do Domingo de Ramos com um texto precioso da Liturgia das Horas (Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo, Oratio 9 in ramos palmarum – Séc. VIII):
 
Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo, que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação. Caminha o Senhor livremente para Jerusalém, ele que desceu do céu por nossa causa – prostrados que estávamos por terra – para elevar-nos consigo bem acima de toda autoridade, poder, potência e soberania ou qualquer título que se possa mencionar (Ef 1,21), como diz a Escritura. O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá sua voz (Mt 12,19; cf. Is 42,2). Pelo contrário, será manso e humilde, e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta. 
 
Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro, para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima, e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter. Alegra-se Jesus Cristo, porque deste modo nos mostra a sua mansidão e humildade, e se eleva, por assim dizer, sobre o ocaso (Cf. Sl 67,5) de nossa infinita pequenez; ele veio ao nosso encontro e conviveu conosco, tornando-se um de nós, para nos elevar e nos reconduzir a si. 
 
Diz um salmo que ele subiu pelo mais alto dos céus ao Oriente (Cf. Sl 67,34), isto é, para a excelsa glória da sua divindade, como primícias e antecipação da nossa condição futura; mas nem por isso abandonou o gênero humano, porque o ama e quer elevar consigo a nossa natureza, erguendo-a do mais baixo da terra, de glória em glória, até torná-la participante da sua sublime divindade. Portanto, em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. Revestidos de sua graça, ou melhor, revestidos dele próprio, – vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (Gl 3,27) – prostremo-nos a seus pés como mantos estendidos. 
 
Éramos antes como escarlate por causa dos nossos pecados, mas purificados pelo batismo da salvação, nos tornamos brancos como a lã. Por conseguinte, não ofereçamos mais ramos e palmas ao vencedor da morte, porém o prêmio da sua vitória. Agitando nossos ramos espirituais, o aclamemos todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel”. 
 
Se a Igreja, desde o século IV, como mostrou a narrativa da peregrina “Etéria”, em sua visita à Terra Santa, convida a repetir o gesto das multidões de Jerusalém, aceitemos o apelo a retirar todas as barreiras que nos impeçam de acolher Jesus Cristo. Existem muitas portas fechadas, medo de Jesus Cristo, receio de se comprometer com Ele e com a Igreja.
 
Nossas procissões são preciosos eventos de evangelização, com os quais damos visibilidade à nossa fé e seu testemunho público. A Semana Santa, que se aproxima, nos veja desacomodados, saindo de casa para chegar às Paróquias e às manifestações populares que se multiplicam nos dias que se seguem. Aquele que vem quer ir ao encontro daqueles que saem de si mesmos para acompanharem o Senhor da Jerusalém dos Ramos ao Cenáculo da Eucaristia, Lava-pés e Mandamento Novo, da noite da Agonia ao julgamento, dali, pela Via Dolorosa, chegaremos ao Calvário, onde estará de pé, como Mulher Forte, a Virgem Maria. E que se aqueçam nossos corações para alcançarmos as Celebrações Pascais, na Ressurreição do Senhor e na renovação de nosso Batismo.

 

 

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