Conversa com meu povo: Ir às periferias geográficas e existenciais

 
Jesus passou a maior parte do seu ministério na Galileia. Lá cresceu e foi educado na bela família de Nazaré. Foi na Sinagoga de Nazaré que fez o que podemos chamar seu “discurso programático”: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor” (Lc 4, 18-19). As redondezas do Mar da Galileia foram o espaço privilegiado para sua pregação, milagres, viagens ou encontros com as pessoas. 
 
 
E Jesus exerceu seu ministério “tomando sopa pelas beiradas”, da periferia para o centro, indo ao encontro dos que habitavam justamente na vizinhança do paganismo. Suas escolhas ensinam aos evangelizadores de todos os tempos, para que o dinamismo missionário envolva a todos, abrindo-lhes o coração e os olhos para os que estão mais distantes. É que buscando quem está mais longe, no meio do caminho, todas as outras pessoas são envolvidas e tocadas, pois ninguém passa em vão perto de Jesus ou de seus missionários. 
 
A “Galileia dos pagãos” traz para perto de Jesus um povo que andava nas trevas, pois o jugo e a carga sobre os ombros são abatidos (Cf. Is 8, 23-9,3; Mt 4, 12-23). O ambiente cultural e religioso da época discriminava seriamente aquelas populações, num verdadeiro caldeirão de práticas e tradições, aliás, presente até hoje, como podemos acompanhar pelo noticiário, já que o que chamamos de Terra Santa se encontra justamente na vizinhança de áreas de conflito armado.
 
O que faz Jesus? Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, para se cumprir a profecias de Isaías. Ele não temeu habitar em áreas difíceis, mas foi ao encontro das pessoas, onde elas se encontravam. Em nossos dias, onde se encontram os distantes? A palavra aponta para longe! Longe, em terras de missão, estão bilhões de pessoas que nunca ouviram o nome de Jesus. A elas deve chegar a Boa Nova do Evangelho. Cabe-nos dar a resposta ao chamado vocacional missionário, como fizeram os primeiros discípulos de Jesus, alcançados justamente à margem do Mar da Galileia (Cf. Mt 4, 18-22), que deixaram de pescar peixes para pescar as pessoas em nome de Jesus. Ainda e sempre haverá lugar para novos evangelizadores na Igreja, prontos a deixar tudo, redes, laços familiares e afetivos, apenas para seguir Jesus!
 
Entretanto, as periferias não são apenas geográficas. Ao nosso lado, bem pertinho de nossa casa, há pessoas que estão ou se sentem discriminadas, excluídas. Basta olhar ao nosso redor, adquirindo a necessária sensibilidade que permita a atenção às necessidades das pessoas. Algumas propostas podem ser acolhidas imediatamente. Primeiro exemplo é visitar pessoas que há muito tempo ficaram esquecidas, fora de nossas listas de contatos. Visitar para visitar, apenas para querer bem, sem outros propósitos. Muitas paróquias até criaram a Pastoral da Visitação, com a qual pessoas e famílias voltam a sentir-se membros da comunidade. Podemos até começar com um cumprimento! Soa muito atual e necessária uma canção que se cantava em muitos encontros de Igreja: “Alô, bom dia, Oh como vai você? Um olhar bem amigo, um alegre sorriso e um aperto de mão. E a gente sem saber como e porque se sente feliz e sai a cantar uma alegre canção. Saber dar um bom dia cheio de bondade, dizer bom dia com sinceridade é dar sempre o melhor do nosso coração. Alô bom dia irmão. Bom dia nada custa ao nosso coração, e é bom fazer feliz o nosso irmão. Por Deus se deve amar, amar sem distinção. Alô, bom dia, irmão”!
 
Os mais distantes são certamente os mais pobres, e penso nos moradores de rua espalhados por nossas cidades, às centenas, debaixo das marquises. Em Belém, Comunidades como a “Fraternidade O Caminho”, a “Missão Belém” e outros grupos vão continuamente ao encontro dos irmãos e irmãs em situação de rua. A primeira proposta que fazem não é a de deixar a rua, mas estabelecer um relacionamento confiante e amigo, ser presença do amor de Deus. O resto vem depois, pois não nos interessa “limpar as ruas”, já que tais pessoas não são sujeira, mas filhos e filhas de Deus! Aqui e em outros lugares, multipliquem-se grupos e pessoas capazes de olhar ao seu redor!
 
Mais distantes são as muitas pessoas que perderam a fé e toda referência de Igreja, e aqui vejo muitos profissionais, homens e mulheres da cultura, universitários, políticos e cientistas, ou gente que veio de suas origens e a grande cidade, com seus problemas e conflitos, levou a perder os referenciais. A conversa com algumas dessas pessoas me faz contemplar uma nostalgia de Deus e do Evangelho, ainda que confusa, cheia de interrogações e provocações. Apelo a homens e mulheres de Igreja, capazes de dialogar com paciência e honestidade com construtores da sociedade civil, pessoas que a Igreja não pode abandonar!
 
O que dizer às periferias geográficas ou existenciais com as quais estabelecemos contato? A pregação de Jesus começou assim: “Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, às margens do mar da Galileia, no território de Zabulon e de Neftali, para cumprir-se o que foi dito pelo profeta Isaías: ‘Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região além do Jordão, Galileia, entregue às nações pagãs! O povo que estava nas trevas viu uma grande luz, para os habitantes da região sombria da morte uma luz surgiu’. A partir de então, Jesus começou a anunciar: ‘Convertei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo’” (Cf. Mt 4, 13-17). Sua palavra pede conversão, que significa mudar de mentalidade. Arrisco-me a dizer que o primeiro a mudar de mentalidade deve ser o próprio evangelizador. Sua mudança se revestirá de presença, superação de julgamento, amor criativo, diálogo sincero, escuta profunda das razões das outras pessoas, tempo gasto com o outro, gestos de serviço e de partilha. Tais atitudes certamente suscitarão questionamentos positivos dos que se encontram em qualquer tipo de periferia. Estes gestos serão a proclamação do primeiro passo do querigma, o anúncio do amor de Deus. Este poderá e deverá ser dito também em palavras, mas a vida deve chegar primeiro. 
 
A Galileia das nações está bem ao nosso alcance! Andemos por ela, cada um de nós com os dons recebidos e conduzido pela força do Espírito Santo, para anunciar a chegada do Reino de Deus, que está próximo, está no meio de nós (Cf. Mt 4, 17).
 
Rezemos com a Igreja: “Deus eterno e todo-poderoso, dirigi a nossa vida segundo o vosso amor, para que possamos, em nome do vosso Filho, frutificar em boas obras. Amém.”

 
 

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