Conversa com meu povo | O Bom Pastor : acompanhar, discernir e integrar

 
Começamos nossa conversa dando a palavra ao salmista (Sl 22/23): “O Senhor é o meu pastor, nada me falta. Ele me faz descansar em verdes prados, a águas tranquilas me conduz. Restaura minhas forças, guia-me pelo caminho certo, por amor do seu nome. Se eu tiver de andar por vale escuro, não temerei mal nenhum, pois comigo estás. O teu bastão e teu cajado me dão segurança. Diante de mim preparas uma mesa aos olhos de meus inimigos; unges com óleo minha cabeça, meu cálice transborda. Felicidade e graça vão me acompanhar todos os dias da minha vida e vou morar na casa do Senhor por muitíssimos anos”. 
 
 

   
 
 

E Jesus, o Bom Pastor, aquele que realiza plenamente o canto do salmo, assim se apresenta: “Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora” (Jo 10, 2). Celebramos com a Igreja a Festa do Bom Pastor, na qual se encontram o canto e a realidade!
 
Durante dez dias aqueles que receberam a missão do pastoreio na Igreja do Brasil, os Bispos, se debruçam sobre os grandes desafios do tempo presente. Um dos temas tratados na quinquagésima quinta Assembleia Geral da CNBB foi a acolhida da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, a respeito do Amor na Família. E a crise global em que se encontram o país e o mundo toca bem de perto na realidade da família. Sabemos que as nossas famílias têm suas qualidades e defeitos, mas vale para todos nós o reconhecimento de que aquela na qual nascemos e crescemos é a “nossa” família, mesmo que não corresponda a todos os sonhos e ideais que tenhamos cultivado. Os laços afetivos nos levam e nos levem a amar aquela família que temos, sem fugas nem fingimentos, com a necessária coragem para ir adiante, para frente e para o alto, cada vez melhores.
 
O Papa Francisco, na Exortação sobre o amor na família, provocou positivamente os fiéis e os pastores da Igreja: “Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja” (Amoris Laetitia 312).
 
O Bom Pastor, que é Jesus, quer exercer seu serviço e dar a sua vida pelo rebanho também através das estruturas humanas com as quais a Igreja se organiza, a fim de que chegue a todos a voz de quem conhece as ovelhas, chamando-as pelo nome e vai à frente, ele que veio para que tenham a vida em abundância (Cf. Jo 10, 1-10). O Papa Francisco propõe uma nova atitude evangelizadora, para que a Igreja chegue especialmente aos mais distantes.
 
São atitudes correspondentes à alma do Pastor, a serem reveladas na ação da Igreja. “É com humilde compreensão que a Igreja quer chegar às famílias, com o desejo de acompanhar todas e cada uma delas a fim de que descubram a saída melhor para superar as dificuldades que encontram no seu caminho. Requer-se um esforço evangelizador e catequético dirigido à família, que a encaminhe nesta direção” (Amoris Laetitia 200).
 
Na preparação e realização das duas Assembleias do Sínodo dos Bispos a respeito da família e do matrimônio, a opinião pública voltou o seu foco, inclusive com a contribuição da grande imprensa, na questão dos casais em segunda união e no acesso à Comunhão Eucarística por parte de pessoas em situação particular.  Entretanto, muitos ficaram quase que decepcionados, por desejarem respostas fáceis para problemas complexos. Há poucos dias o Papa observou que não se trata apenas do “pode” ou “não pode”, mas de uma atenção especial às pessoas, à sua história e ao seu processo de vivência da fé.
 
Há três atitudes apresentadas pelo Papa Francisco, correspondentes ao amor do Bom Pastor Jesus, que quer fazer-se presente na Igreja através dos pastores e da Comunidade dos Fiéis, aplicadas de modo especial às situações peculiares relativas à família e ao matrimônio. Em primeiro lugar, “acompanhar” as pessoas, entrar em cada situação singular, entender sua mente, seus sentimentos, suas fragilidades e forças, seus dramas e alegrias. E aqui entram de forma especial os bispos, sacerdotes, diáconos e agentes de Pastoral Familiar. A partir daí, “discernir”, estudar cuidadosamente cada caso, com a boa vontade para ajudar as pessoas a se encontrarem com Deus, orar, pedir as luzes do Espírito Santo, buscar a vontade de Deus. O terceiro passo é “integrar” cada pessoa na vida da Igreja, naquilo que lhe é possível, na perspectiva de sua inserção total na vida da Igreja.
 
O Papa Francisco recorda que “São João Paulo II propunha a chamada lei da gradualidade, ciente de que o ser humano conhece, ama e cumpre o bem moral segundo diversas etapas de crescimento. Não é uma gradualidade da lei, mas uma gradualidade no exercício prudencial dos atos livres em sujeitos que não estão em condições de compreender, apreciar ou praticar plenamente as exigências objetivas da lei. Com efeito, também a lei é dom de Deus, que indica o caminho; um dom para todos sem exceção, que se pode viver com a força da graça, embora cada ser humano “avance gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social.” (Amoris Laetitia 295).
 
Há um longo caminho a ser percorrido, marcado pela caridade, a que todos são convidados, na superação dos julgamentos e condenações precipitadas de quem quer que seja. O Bom Pastor, que dá a vida e conhece as ovelhas pelo nome, abra o nosso coração para alargar o alcance de nosso amor, a fim de que a vida em plenitude seja oferecida em abundância.

 
 

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