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Os animais entraram de forma muito simpática na narrativa bíblica, desde o poema da criação, passando pela aventura da Arca de Noé, para depois imaginar os egípcios com seus “carros e cavalos”, símbolos de poder. No deserto, serpentes ardentes foram expressão da correção de Deus a seu povo. E até a mula de Balaão entrou falando na história sagrada! Dentre tantos outros episódios em que os animais ajudaram a tecer tais narrativas, vale a pena lembrar o sonho dos tempos messiânicos com o qual se “bate na cangalha para o burro entender”. Tempos de reconciliação são expressos com relacionamento inaudito entre os animais: “O lobo, então, será hóspede do cordeiro, o leopardo vai se deitar ao lado do cabrito, o bezerro e o leãozinho pastam juntos, uma criança pequena toca os dois, a ursa e a vaca estarão pastando, suas crias deitadas lado a lado; o leão, assim como o boi, comerá capim. O bebê vai brincar no buraco da cobra venenosa, a criancinha enfia a mão no esconderijo da serpente. Ninguém fará mal, ninguém pensará em prejudicar, na minha santa montanha. Pois a terra estará repleta do conhecimento do Senhor, assim como as águas cobrem o mar” (Is 11, 6-9). | ||
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A profecia de Zacarias faz assim exultar de esperança: “Dança de alegria, filha de Sião, dá vivas, filha de Jerusalém, pois agora o teu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num burrico, filhote de jumenta. Ele vai dispensar os carros de guerra em Israel, vai dispensar os cavalos em Jerusalém, vai dispensar todas as armas de guerra. Sua palavra é de paz para as nações. O seu reino vai de um mar até o outro, do rio Eufrates até a extremidade do país” (Zc 9,9-10).
Ao entrar em sua cidade de Jerusalém Jesus usa a montaria dos pobres: “Trouxeram então o jumentinho até Jesus, puseram seus mantos em cima, e Jesus montou. Muitos estenderam seus mantos no caminho, enquanto outros espalharam ramos apanhados no campo. Os que iam à frente e os que vinham atrás clamavam: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso Pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!” (Mc 11,7-9) Simples, pequeno, montado num jumentinho!
Um grande compositor brasileiro, Luiz Gonzaga, compôs a “Apologia ao Jumento: o Jumento é nosso irmão, na qual, dentre outras bem achadas e alegres referências, diz: “É verdade, meu senhor, essa história do sertão. Padre Vieira falou que o jumento é nosso irmão. O jumento é nosso irmão, quer queira ou quer não! O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sertão! Ajudou o homem na lida diária, ajudou o homem, ajudou o Brasil a se desenvolver, arrastou lenha, madeira, pedra, cal, cimento, tijolo, telha, fez açude, estrada de rodagem, carregou água pra casa do homem, fez a feira e serviu de montaria, o jumento é nosso irmão!…Serviu de transporte de Nosso Senhor, quando ele ia para o Egito, quando Nosso Senhor era pirritotinho… Mas eu gosto dele porque ele é servidorzinho que é danado! Animal sagrado! Jumento, meu irmão, eu reconheço teu valor! Tu és um patriota! Tu és um grande brasileiro! Eu tô aqui, jumento, pra reconhecer o teu valor, meu irmão. Agora, meu patriota, em nome do meu sertão, acompanho o seu vigário, nesta eterna gratidão. Aceita nossa homenagem, ó jumento, nosso irmão!” Também no cancioneiro popular as lições se fazem presentes! São sinais do Reino de Deus!
Parece brincadeira, mas Deus escolheu mesmo a simplicidade e a pequenez, para seu Filho percorrer nossas estradas. Diante de tanta rejeição encontrada por Jesus, apenas os pequenos o acolhem. Aliás, quem não o for há de tornar-se primeiro pequeno para entrar no Reino de Deus. Os que se consideram sábios e entendidos precisam entrar na escola dos pequenos! Não conta tanto o que fazemos por Deus, mas aquilo que Deus, em seu grande amor, faz por nós! Jesus realiza plenamente a profecia de Isaías (Is 42,15-21), a respeito do Servo escolhido, aquele que não grita, nem discute, não quebra o caniço rachado, nem apaga a chama que fumega! É claríssimo para as primeiras comunidades cristãs que Jesus acolhia os que se fazem simples e pequenos.
“Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30). Algumas vezes estas palavras foram instrumentalizadas para pedir ao povo submissão e passividade. Jesus quer dizer o contrário. Pede a todos que não deem tanta importância aos “sábios e entendidos” e que confiem nos pequenos, dos quais ele é o primeiro. Há que aprender dele, que é manso e humilde de coração. Ele anuncia a Boa Nova em toda parte, pelas estradas, ao longo das praias, na montanha, nas praças e também no templo. Seu jugo é a Cruz a ser assumida com disposição, o que significa estar prontos a amar e dar a própria vida. É exigente, sim, este passo, mas não há outra estrada!
Em tempos como os nossos, em que a luta pelo poder e seu uso inadequado e abusivo percorrem praticamente todas as instâncias da vida social, faz-se necessário aceitar o caminho da humildade e da retidão, valorizar os meios pobres para construir a sociedade, purificar as mãos e o coração, aceitar de novo e com renovada disposição o seguimento de Jesus, na vivência corajosa de sua Palavra. Olhando para ele e contando com sua graça, é possível ver o que acontece quando uma pessoa humana deixa que Deus reine e tome posse de toda a sua vida.
Vivamos de tal forma que possamos rezar com o Salmista (Sl 131): “Senhor, meu coração não se orgulha e meu olhar não é soberbo; não ando atrás de coisas grandes, superiores às minhas forças. Antes, me acalmo e tranquilizo, como criança desmamada no colo da mãe, como criança desmamada é minha alma. Israel espere no Senhor desde agora e para sempre”.
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