Conversa com meu povo: O mistério do tempo

 
“Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos à Lei, e todos recebermos a dignidade de filhos. E a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “’Abá, Pai!’” (Gl 4,4-6). O tempo do relógio e dos calendários não é suficiente para entender a vida humana. Faz-se necessário vê-lo do ponto de vista daquele que é senhor do tempo e que o supera, para quem “um dia é como mil anos e mil anos como um dia” (2 Pd 3,8). De fato, diante de Deus afirmamos com clareza: “Nossos anos de vida são setenta, oitenta para os mais robustos, mas pela maior parte são fadiga e aborrecimento, passam logo e nós voamos. Quem conhece o ímpeto da tua ira, quem teme a violência do teu furor? Ensina-nos a contar nossos dias e assim teremos um coração sábio” (Sl 89, 10-12). A plenitude do tempo chegou quando Deus quis!
 
Como fazer encontrar o nosso tempo com o tempo de Deus? Como fazer para que os dias do ano que termina não voem como penas ao vento e se percam, mas tenham sentido profundo e sejam incorporados como tesouro em nossa história? A Igreja aprendeu, no correr dos tempos, a contar os dias a partir de seu Senhor, para não parar nas fadigas ou no ócio eventual que acabam até por irritar nossa frágil natureza. É que para os homens e mulheres de fé, o que corre se chama história de salvação e não minutos aproveitados ou desperdiçados. Tudo coopera para o bem dos que amam a Deus (Cf. Rm 8,28). 
 
A chave do tempo está em professar a fé e declarar o amor a Deus. Aí tudo adquire seu pleno sentido, pois a escolha primeira é amar a Deus, antes de optar pela alegria ou pela dor, pelo riso ou pelas lágrimas. Trata-se de buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas serão dadas por acréscimo. Por isso, a pessoa de fé entende que não há que se preocupar com o dia de amanhã, pois ele terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu cuidado (Cf. Mt 6,33-34). Com  o dia de hoje há que se “ocupar”, viver bem cada momento presente, transformando-o em oportunidade para amar a Deus e o próximo. Se a alguém pode parecer simplista tal afirmação, se apenas aceitar o desafio de experimentá-la, será possível ver os frutos.
Nesta perspectiva, o que fazer do passado, cuja sombra tantas vezes aparece como fantasma que assusta? Primeiro, uma gratidão imensa pelos dons recebidos, pelo bem que a pessoa foi capaz de fazer, um olhar positivo sobre todas as pessoas e acontecimentos. Depois, uma decisão carregada de sabedoria é experimentar o perdão. Perdoar as pessoas que nos ofenderam, perdoar a nós mesmos pelas falhas, faltas e pecados e, mais ainda, recorrer à fonte do perdão que é a misericórdia infinita de Deus. Continua válida e profundamente curativa a proposta da Igreja, que se chama “Sacramento da Reconciliação”. Uma boa e sincera confissão, diante daquele tribunal cuja sentença é sempre a absolvição, é um santo remédio, e quantas são as pessoas que necessitam redescobri-lo!
 
Ainda à mesma luz, nenhum ano é perdido e jogado no lixo. Ao invés de tentar esquecer os revezes da sociedade ou da política, ou, quem sabe, as derrotas pessoais em todos os campos, que tal integrar tudo, aproveitando para o bem as lições deixadas pela vida?
 
Há algo a fazer com o futuro, que muitas vezes repetimos pertencer a Deus, e é verdade! Insegurança é pretender adivinhá-lo, ou antecipá-lo, “morrendo de véspera”. Serenidade é deixar que ele aconteça. Inteligência é aprender a confiar na Providência de Deus e equilibrar os passos do dia a dia com previdência e equilíbrio. Maturidade é estar prontos a fazer o que depender de nós, superando a ansiedade que nos tira a paz.
 
Entretanto, o que temos à disposição é o presente, e o futuro será uma sucessão de momentos presentes bem vividos! O dia 1º de janeiro, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, é Dia Mundial da Paz. Na belíssima oração da “Ave Maria”, cujas palavras brotam tão espontaneamente de nosso coração, dizemos assim: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”. Quanta sabedoria e piedade em tão poucas palavras, repetidas por nós desde a mais tenra infância! Só temos certeza de dois momentos: o de nossa morte, quando deveremos apresentar-nos diante de Deus, em nossa páscoa pessoal, que esperamos seja de grande alegria, e o “agora”. Sim, na “Ave Maria” rezamos o mistério do tempo, comprometendo-nos a viver intensamente este agora, repleto de possibilidades, desafios e alegrias, acolhendo com prontidão a tarefa cotidiana de preencher com amor todas as nossas decisões e os passos a serem dados.
Para o ano que está para começar, é bom fazer o propósito de preencher com amor o relacionamento com as pessoas, e este é o melhor meio para sermos felizes. Falando da acolhida aos migrantes, o Papa Francisco propõe quatro atitudes, a serem praticadas em relação a eles, e nós os temos bem perto, bastando pensar nas levas de indígenas, vindos de outros países, que aportam em nossa região norte, ele indica, com a luz da Palavra de Deus, estas práticas que servirão para iluminar, a partir dos irmãos mais pobres, todo o relacionamento humano, no tempo que nos é dado: “Acolher”, não repelir as pessoas para lugares onde as aguardam perseguições e violências: “Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos” (Hb 13,2). “Proteger” lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável dos que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança e impedir a sua exploração:  “O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva” (Sl 146,9). “Promover” é apoiar o desenvolvimento humano integral dos que chegam de fora, pois Deus “ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário” (Dt 10,18-19).

“Integrar” é permitir que esses irmãos e irmãs participem na vida da sociedade que os acolhe, para que de todos nós se possa dizer: “Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus” (Ef 2,19). Vale como programa para viver o mistério do tempo em 2018, à luz da Palavra de Deus e da Palavra da Igreja!

 
 
 
 

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