Dom Julio Endi Akamine, SAC – Arcebispo Coadjutor da Arquidiocese de Belém
O Círio de Nazaré cultua Maria como “Mãe e Rainha de Toda a Criação”. Qual é o sentido desse nome? Inspirado em Laudato Sì, 241, Dom Alberto Taveira, em 20 de outubro de 2024, já explicou o sentido dessa invocação com a qual nos dirigimos a Nossa Senhora de Nazaré. Nesse sentido, é muito o oportuno revisitar o texto disponível em https://www.ciriodenazare.com.br/noticias/tema-do-cirio-de-nazare-2025 .
O Círio de Nazaré é uma celebração importante para a evangelização dos católicos e deseja ser também um apelo aos não católicos. O Círio de Nazaré convida as pessoas de boa vontade para o cuidado com a vida no planeta. Como tudo se relaciona com tudo, defender a criação significa cuidar da natureza e da humanidade, principalmente das pessoas mais pobres; significa também rever e mudar o nosso modo de viver e de professar a fé cristã.
A terra existe antes de nós, e nos foi dada por Deus para “cultivá-la e para guardá-la” (cf. Gn 2,15). Na Revelação bíblica, “cultivar” quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, e “guardar” significa proteger, cuidar, preservar. Concretamente, “cultivar e guardar a terra” implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a criação. Com efeito, todos nós podemos tomar da bondade da terra aquilo de que necessitamos para a sobrevivência, mas temos também o dever de protegê-la e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Não queremos entregar para as próximas gerações uma criação esgotada e destruída. Assim, a reciprocidade responsável se desdobra em uma solidariedade inter-geracional.
Os cristãos defendem uma espiritualidade fundada no Deus criador: “ao Senhor pertence a terra” (Sl 24/23,1); a Ele pertence “a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14). A conversão ecológica se concretiza na vivência de uma fraternidade que inclui a nossa casa comum e nos faz tomar consciência de que não somos Deus. Por isso, Deus nos proíbe toda a pretensão de posse absoluta da criação. A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses.
A criação é muito mais do que a simples natureza. Por isso, não é suficiente a mera preservação da natureza. É preciso defender a criação de Deus! Cuidamos da nossa casa comum e temos zelo pela criação porque ela é projeto do amor de Deus. Professar a fé no Criador inclui considerar que, na criação, cada criatura tem um valor e um significado em si mesma. O conceito de natureza se entende, habitualmente, como um sistema que se analisa e se administra, mas a criação só pode ser concebida como um dom que vem das mãos abertas do Pai, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.
Como se pode notar, o próprio nome “criação” exprime uma realidade que supera a mera concepção de “natureza”. A criação indica o solo, a água, a luz e todos os seres vivos, de modo especial os humanos, na sua relação de amor com Deus. Todos os elementos da criação não estão simplesmente presentes em um único lugar, mas se relacionam e interagem, vitalmente: tudo está relacionado com tudo, e tudo está relacionado com Deus, ou seja, são suas criaturas. A cosmovisão cristã se relaciona com o mundo como uma realidade que está repleta de “palavras de amor do Criador”.
Nós cremos que a criação pertence à ordem do amor e não somente à ordem econômica dos recursos a serem explorados e consumidos. O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação: “Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado” (Sb 11,24). Assim, cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do Seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele a envolve com o seu carinho.
Invocamos Nossa Senhora de Nazaré como Mãe e Rainha de toda Criação, porque desejamos ser como ela! Com efeito, “parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza, no corpo glorificado de Nossa Senhora, junto com Cristo ressuscitado. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que “guardava” cuidadosamente (Lc2,51), mas agora compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir a Maria que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente” (LS 241).