Talvez os termos inferno e céu sejam duros demais para a atual realidade, mas vivemos um pouco de ambos neste Brasil descolorido. Contudo, a linguagem escatológica nos aponta processos e, fazer processos é sempre uma forma de crescer.
No livro do Apocalipse há uma sequência de imagens muito interessantes e fortes que chamam a atenção. A presença da mulher é notória. No capítulo 12, aparecem o dragão e a mulher, no 17 uma besta e uma mulher, no 21 a nova Jerusalém, que também representa uma mulher. É uma narrativa que nos provoca a pensar no Brasil de hoje e buscar uma faísca de esperança em meio a tamanha tempestade. Parece que o timão do país está sem comandante.
No capítulo 12, o dragão é um monstro que luta com a mulher e quer engolir o filho que ela traz na barriga. A mulher ganha asas e voa para o deserto, fugindo assim do vômito de fogo do dragão, e ali tem o seu filho. A mulher é a imagem da comunidade cristã que luta para se manter viva na perseguição e na diáspora. O filho que nasce é Jesus. Trata-se da comunidade que anuncia o ressuscitado, grávida, portanto de Deus. É também a imagem de Maria, mulher que foi envolvida pelo sol de justiça, Deus, e que está no meio da comunidade orante como referência direta a Jesus. Apesar da luta com o dragão ela sai vencedora. O deserto é o mundo com seus desafios e crises, mas nele a comunidade é chamada a ser presença de viva esperança. Por isto, a Igreja mesmo “que não tenha a tarefa direta de criar uma sociedade mais justa, deve intervir sobre questões éticas e morais que dizem respeito ao bem comum dos povos” (Verbum Domini, 100). Eis, então o sentido do pronunciamento da CNBB sobre a situação atual do Brasil, e ela o fará sempre que for necessário, sobretudo neste momento triste da nação que afunda no vômito do dragão da corrupção.
Vivemos hoje no Brasil a luta entre o mal e o bem. A corrupção, encarnada na figura da besta, e a ética. É uma sociedade sem rumo em meio às trapaças políticas. A calda da corrupção arrasta um monte de gente. No entanto, as asas do bem nos fazem levantar vôo para superar tal espetaculoso desastre social e político. O deserto é hoje o descrédito das instituições e a aridez da indiferença. Um país mergulhado no oceano da maldade e dos conflitos.
No capítulo 17 aparece uma besta, e nela uma mulher montada, que usa a besta para voar, é uma prostituta que bebe o sangue dos justos como se fosse vinho. A prostituição na Bíblia simboliza a idolatria e a infidelidade. Esta outra mulher usa da besta para se mover, está sentada no mal, portanto não vem de Deus, mas é filha do mal. É um sinal visível da embriaguez política deste momento onde não sabemos mais o que é certo ou errado. As instituições caem no mar de lama da corrupção, da maldade e do egoísmo: mensalão, lava jato, delações, etc. são ingredientes deste vinho que a prostituta, hoje encarnada na Odebrecht e Petrobrás, oferece aos que dela se aproximam e lhe prestam culto. No meio desta luta os pobres são os que mais perdem e são mais uma vez vítimas da embriaguez e da inconsciência do tempo presente.
No capítulo 21, porém, aparece um “novo céu e uma nova terra”, que desce do céu. É a terceira mulher que, a exemplo da primeira voa aos picos mais altos para receber uma nova oxigenação e sobreviver ao mal. São as asas da justiça e da verdade. Esta imagem está recheada de esperança. Certamente a crise ética que estamos passando nos levará a outra realidade, vai nascer uma nova nação, outro Brasil, mais humano, justo e fraterno porque toda crise é purificadora. No entanto, será preciso ter coragem para levantar voo, fugir do dragão e da besta, não beber do vinho e muito menos ser engolidos pelo vomito da corrupção. As dores que sofremos hoje deste parto tão difícil serão esquecidas e ficaremos felizes com o filho que nascerá; este filho se chama nação democrática e livre. O filho não será de uma prostituta e muito menos o resultado da embriaguez política, mas desejado e esperado como fruto da nova ordem social, sobretudo para os mais pobres.
Rogo a Maria, neste centenário da Aparição em Fátima, que ela nos ajude a levantar voo e sair deste mar de lama que nos sufoca. E, como bem disse o papa Francisco em Fátima: “Vamos derrubar todos os muros e cruzar todas as fronteiras. Vamos todos às periferias para tornar conhecida a justiça divina e a paz.”…
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Do inferno ao céu
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