Evangelização no Terceiro Milênio: O laicato santo: de São Francisco de Sales a São João Paulo II

 
 
 
Corria o século XVI, quando a Igreja vivia uma grave crise espiritual, em pleno andamento da segunda geração da Reforma Protestante, quando Deus abençoou o mundo com a envergadura intelectual e espiritual de São Francisco de Sales. Nascido em 21 de agosto de 1567, o olhar místico do santo, unido à sua profunda ascese e vida interior, produziu um precioso tesouro espiritual dirigido aos leigos, sob o título de “Filoteia” ou “Introdução à Vida Devota”, em cujo teor apresenta à vida leiga, um caminho para alcançar a santidade.
 
“Filoteia”, cuja expressão significa uma alma que Ama a Deus, constitui uma obra de direção espiritual e ou aconselhamento endereçada inicialmente a uma parenta do autor, que era casada e pediu-lhe conselhos espirituais. Dada a maravilha mística que emergia do escrito, muitas pessoas requisitaram-lhe que o publicasse. Deste modo, a primeira edição deu-se em 1609. 
 
Na obra, São Francisco de Sales demonstra que a santidade não é uma exclusividade da vida sacerdotal ou religiosa, pois ela é possível em todos os estados de vida, inclusive, aos casados e aos solteiros. Eis que em pleno século XVI, portanto, trezentos e quarenta e quatro anos antes do Concílio Vaticano II e da edição da Constituição Dogmática Lumen Gentium, o autor de Filoteia propõe aos leigos viver a santidade, ainda que inseridos no mundo. Ou seja, a santidade não é um privilégio da clausura, da vida religiosa e ou da Ordem, pois que ela pode ser vivida secularmente. A experiência de São Francisco de Sales como leigo, vivida, portanto, antes do sacerdócio, como filho de família nobre, acadêmico de direito e teologia, advogado e intelectual forneceu-lhe elementos para o itinerário espiritual proposto no livro, a experiência de um leigo que busca uma vida devota, uma vida de santidade.
 
Passados quatros séculos, décadas antes do Concílio Vaticano II, como que um prenúncio da primavera que nasceria para o laicato, surgiu diversos movimentos eclesiais leigos, que resgataram a mesma proposta de santidade, leia-se, a vivência plena do evangelho no mundo laico. Nesta esteira podemos citar: as Equipes de Nossa Senhora datada de 1938 (Paris – França); o Cursilho de Cristandade surgido em 1948 (Palma de Maiorca – Espanha); O Folcolares nascido em 1943, no contexto da Segunda Guerra Mundial (Trento – Itália); a Casa da Juventude fundada em 1959 (Belém – Brasil). Ressalte-se que esses movimentos eclesiais, fundados antes do Concílio, tiveram seu esplendor nas décadas seguintes, setenta e oitenta e ainda hoje, já solidificados, produzem muitos frutos espirituais.
Na plenitude do período pós conciliar, surgem novos movimentos dirigidos aos leigos, entre os quais temos: o Encontro de Casais com Cristo e a Renovação Carismática Católica; e em Belém o Movimento da Juventude Nazarena, datado de 1970.
 
Quando achávamos que o Concílio já tinha produzido todas as novidades ao laicato, surge o baluarte da assim denominada Nova Evangelização, a missionariedade no limiar do século XXI, diante dos desafios que este prenunciava. Filho da teologia espiritual de Santa Faustina (a qual é fruto de seus colóquios com Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Divina Misericórdia, verificados durante o período de 1931 a 1938, ano de sua morte) e do novo ardor teológico-missionário surgido no período pós conciliar, o mundo viu nascer o Papa Peregrino, João Paulo II, um incansável promotor da importância do laicato na Igreja e na sociedade. É cediço que Karol Wojtyla deu uma importante e preciosa contribuição sobre essa temática no curso do Concílio Vaticano II. Antes disso, podemos afirmar que ele viveu pessoalmente a experiência do leigo no trabalho, na atividade cultural e política e no compromisso com a sociedade de seu tempo e espaço. Em seu sacerdócio, episcopado e papado, São João Paulo II deu grande incentivo ao movimento leigo; o que, sabemos, ser fruto de sua determinante a experiência como estudante, artista, operário e opositor aos regimes nazista e soviético. Essa experiência influenciou sobremaneira o seu magistério, com destaque para a Encíclica Veritaris Splendor, de 06 de agosto de 1993; a Exortação Apostólica sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, intitulada Christifideles Laici, de 30/12/1998; a Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de 22 de novembro de 1981; Carta às Famílias, de 02 de fevereiro de 1994; e as Catequeses sobre o amor humano – Teologia do Corpo, proferidas no período de 06 de setembro de 1979 à 28 de novembro de 1984, as quais geraram a obra “Homem e Mulher Ele os criou”.
 
Nomagistério de São João Paulo II, o fiel leigo é lançado nas fronteiras da história, em todas as suas perspectivas e circunstâncias de tempo e espaço, a saber: família, cultura, trabalho, economia etc. Particular atenção ele concedeu à mulher e aos jovens. O Papa da Misericórdia criou a Jornada Mundial da Juventude e exortou os jovens a formar a geração “dos santos de calça jeans”, isto é, os jovens que gostam cinema, shopping, música, tecnologia, usam jeans e tênis e, em meio a tudo isso, vivem a santidade. No campo da família, beatificou os cônjuges Maria e Luigi Beltrame Quattrocchi, em 2001 – os primeiros proclamados juntos como casal. E beatificou quase 20 leigos e leigas. O Papa da Juventude e da Família deu profunda ênfase e incentivo aos movimentos leigos e às comunidades de vida, que se desenvolveram a partir da teologia da Igreja e do laicato.
 
De São Francisco de Sales a São João Paulo II, a Igreja, em seu magistério e nas obras de seus santos, sê-nos apresenta variadas propostas de itinerários espirituais para alcançar a santidade, consoante o estado de vida secular. Todas elas têm seu ponto comum em Deus, o Senhor de nossa existência. Como diria o autor de “Filoteia”: “Faça todas as coisas em nome de Deus e fará tudo bem. Se comer ou beber, trabalhar ou descansar, ganhará muito aos olhos de Deus, ao fazer todas essas coisas como Deus quer que se faça”.

 
 
 

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