
Uma das práticas devocionais mais vividas durante a quaresma é a oração da Via-Sacra, celebrada no interior de capelas e igrejas ou pelas ruas e praças das cidades e povoados.
Esta prática devocional se tornou muito popular e resistiu ao tempo, ganhando novo vigor na atualidade. Muitas comunidades a celebram nas madrugadas de toda sexta-feira da quaresma.
Conhecida como Estações da Cruz, Via Sacra ou, em latim, Via Crucis, trata-se de uma série de pequenos oratórios como “estações” ao longo das quais o fiel refaz e relembra os passos de Jesus Cristo durante sua Paixão, sua caminhada para o Calvário onde aconteceria a sua morte cruenta.
Antiga tradição, não fundamentada historicamente, conta que a Bem-Aventurada Virgem Maria teria visitado quase que diariamente os locais do sofrimento, morte e ressurreição de seu filho Jesus após sua ascensão ao céu.
As narrativas bíblicas apontam que Maria seguiu Jesus ao longo do caminho para o Calvário, não dizendo mais nada após sua morte e sepultamento. Seguindo Jesus e se encontrando com ele no caminho do calvário, Maria Santíssima não criou uma devoção popular com orações e “estações” específicas a serem seguidas como temos hoje.
Ela estava sim tentando reviver os acontecimentos da Paixão de Jesus, mantendo-os vivos em seu coração, contemplando o grande sacrifício que ele fizera pela humanidade. De modo que, permanece a pergunta que nos leva a escrever este artigo: Como surgiu e se desenvolveu na Igreja a prática da Via-Sacra.

Explicações diferenciadas
Uma explicação fala que São Petrônio, bispo de Bolonha, fez construir no século V um grupo de capelas conectadas a fim de representar os santuários mais importantes de Jerusalém construídos sobre os lugares santos. Essas capelas podem ser consideradas o germe do qual se desenvolveram as estações, mas nada do que existe antes no século XV pode ser chamado de Via Sacra como hoje entendemos.
Na Idade Média, a Terra Santa com os lugares ligados à vida e à missão de Jesus trocou de mãos várias vezes, caindo por fim, nas mãos dos sarracenos. Com isso, os peregrinos que para lá se dirigiam, cujo número aumentava continuamente, não tinham fácil acesso aos lugares ligados à vida e Paixão de Jesus.
Os peregrinos que visitavam a Terra Santa arriscavam suas vidas devido as dificuldades da viagem, se submetendo a todo tipo de humilhação, mas viam isso como uma forma de participação nos sofrimentos de Cristo.
Muitos peregrinos, porém, ao retornar da Palestina onde visitaram e oraram nos lugares santos faziam narrativas das graças alcançadas e reproduziam em pinturas ou esculturas os lugares sagrados que visitaram. Com o movimento das Cruzadas a partir do século XI aumentou mais ainda o número de fiéis que buscavam conhecer os lugares santos, se beneficiando da espiritualidade desses locais.
O padre dominicano Álvaro de Córdoba foi um que difundiu bastante a devoção da Via-Sacra começando por Córdoba, onde construiu pequenos oratórios em estilo similar às estações modernas. No século XVII, os franciscanos e outras ordens religiosas começaram a construir as “estações” dentro das igrejas para que os fiéis recebessem as mesmas indulgências que receberiam viajando para Jerusalém.
O Papa Inocêncio XI reconheceu e atendeu o pedido dos franciscanos, abrindo o caminho para as Estações da Via-Crucis como as conhecemos hoje. Por esta razão aumentou a construção de capelas e monumentos nos lugares relacionados com a vida e a missão de Cristo na terra.
Esses monumentos religiosos passaram a ser reproduzidos em diversas regiões da Europa, com estações dedicadas a cada fato da Via Dolorosa de Jesus, até se concretizar a Via sacra em 14 estações.
No século XIII, começaram a surgir roteiros próprios para quem visitava a Terra santa e outros para quem desejava celebrar em sua própria região. No final do século XIV já havia um roteiro comum, que percorria, em sentido inverso, a Via Crucis, começando na Igreja do Santo Sepulcro, no Monte Calvário, e terminando no Monte das Oliveiras.
Muitos cristãos que não podiam ir à Terra Santa, trocavam a peregrinação pelo exercício de piedade realizado nas igrejas e mosteiros, surgindo então a Via-Sacra como hoje a temos.
No início do século XVI, Via dolorosa já era celebrada na ordem dos acontecimentos dolorosos, dando aos fiéis a possibilidade de reviver de forma intensa e fervorosa as etapas dolorosas da Paixão. Com isso, as pinturas ou esculturas das estações da Via-sacra se multiplicam no ocidente, e aos poucos vão sendo definidas como 14, cada uma delas acompanhada de um tema de meditação e de outros exercícios de piedade.
Entre as figuras que colaboraram na difusão da Via-Sacra destaca-se São Leonardo de Porto Maurício, grande pregador popular, que ergueu 572 Vias-sacras entre 1731 a 1751, inclusive ao redor do Coliseu.
Os franciscanos desde o século XIV, se tornaram os guardiões oficiais dos lugares santos da Terra Santa e, por isso, se dedicaram à propagação da veneração da Via-Sacra em suas igrejas e conventos. Desta forma a devoção foi se propagando cada vez mais.

A tradição e os merecimentos para quem faz a Via-Sacra
A meditação da Via-Sacra e a veneração da Santa Cruz, desenvolveram-se e se consagraram como formas recomendadas de piedade cristã, seja quando feita nas igrejas, nas ruas ou por aqueles que demandam a Terra Santa para ali percorrer os passos da paixão de Cristo.
Percorrendo o caminho de Jesus Cristo, de sua prisão e julgamento de Pôncio Pilatos até o Monte Calvário os fiéis refazem um exercício de piedade muito antigo, que remonta os primeiros séculos da Era Cristã, tomando forma com o tempo, até chegar ao formato como conhecemos em nossos dias.
Por esta razão aumentou a construção de capelas e monumentos nos lugares relacionados com a vida e a missão de Cristo na terra. Esses monumentos religiosos passaram a ser reproduzidos em diversas regiões da Europa, com estações dedicadas a cada fato da Via Dolorosa de Jesus, ate se concretizar a Via sacra em 14 estações.
O exercício da Via Crucis desenvolveu-se ao longo dos séculos até atingir sua forma atual. A aprovação da Santa Sé e a concessão de indulgências mostram que a veneração e a meditação da Via dolorosa de Cristo fazem muito bem para a piedade cristã, especialmente no tempo da Quaresma.
Por isso, desfrutemos dos benefícios da Paixão de Cristo como são propostos pela Via-sacra, piedade que santifica os fiéis cristãos a tantos séculos.
Fonte: Portal A12 / Por Padre José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.