
Como havia a realidade das perseguições aos cristãos nos primórdios da Igreja, primeiro da parte das autoridades do povo judeu e depois das autoridades do Império Romano, não foi possível organizar de forma integrada a vida litúrgica e sacramental da Igreja.
Durou cerca de três séculos o período de perseguições, ora esporádicas, ora organizadas, até que a Igreja alcançasse a liberdade de culto, a partir do início do século IV a.C.
Por esta razão, se tornava complicado para os bispos criar um calendário litúrgico abrangente e unificado. Isso resultou numa disparidade na forma como os cristãos celebravam e vivenciavam o Tempo da Quaresma, com as diferenças sendo notadas, sobretudo, entre Oriente e Ocidente.
Porém, assim que a Quaresma começou a ser melhor organizada, uma das primeiras formas de se vivenciar este tempo forte da vida da Igreja se deu através do jejum, que chegava a durar até 40 dias, imitando a prática de Jesus após o seu batismo no Rio Jordão.
Depois se acrescentou a oração e a esmola, como expressão de caridade, com a observância desse período como preparação para a Páscoa, remontando ainda da época dos Apóstolos. Porém, durante os primeiros séculos a observância quaresmal se limitava a poucos dias.
O Papa São Leão Magno (440–461) afirmou que a Quaresma “foi instituída pelos Apóstolos” e que a Tradição sustenta que “sempre foi vivida com uma maior atenção à vida de oração, jejum e esmola”.
Devido à controvérsia sobre a duração do tempo da prática do jejum, por volta do século II, Santo Irineu escreveu uma carta ao Papa, perguntando sobre as formas de o praticar antes da Páscoa:
“Pois a controvérsia não é apenas sobre o dia [da Páscoa], mas também sobre a própria maneira do jejum. Alguns pensam que devem jejuar um dia, outros dois, outros ainda mais”.
Em resumo, nos primórdios da Igreja já havia certa concordância de que um jejum deveria preceder a festa da Páscoa, mas não havia concordância sobre a sua duração.

A quaresma de 40 dias
Existem informações seguras de que os cristãos que viviam no deserto egípcio já praticavam o jejum pós-teofania do rio Jordão por 40 dias. No Oriente, a festa da Teofania comemorava o batismo de Jesus, sendo celebrada tradicionalmente no dia 6 de janeiro.
Os cristãos do deserto começavam o jejum um dia após a Teofania, imitando Jesus, que foi para o deserto para jejuar por 40 dias e 40 noites após o seu batismo, sendo ali tentado pelo demônio. Este jejum, entretanto, não terminava na Páscoa, e sim com a cerimônia batismal que introduzia os novos membros na fé cristã.
A tradição do jejum pós-teofania foi posteriormente fundida com outras tradições para criar o jejum quaresmal como conhecemos hoje. Depois do Concílio de Niceia, celebrado no ano 325, a quaresma foi oficializada com a prática do jejum de 40 dias.
Com a “legitimação” do cristianismo, após o Edito de Milão (313 d.C.) tornou-se possível a padronização das celebrações quaresmais, estabelecendo a celebração pública do jejum. Os bispos das províncias puderam, então, iniciar o processo de integração com o Bispo de Roma nas questões disciplinares e litúrgicas, incluindo as diversas formas de se celebrar a Quaresma.
Enfim: apesar de as formas de se celebrar a Quaresma terem variado desde os primórdios da Igreja, suas raízes são profundas e o jejum de 40 dias tem origens antigas. Porém, o mais o importante não são as práticas exteriores, muitas vezes realizadas sem um sentido mais profundo, e sim as motivações com as quais se pratica o jejum, as mortificações e outros atos próprios do período quaresmal.

Tempo de primavera
A Quaresma sempre foi considerada um tempo especial pela Igreja, mas a forma como é celebrada e vivenciada sofreu modificações ao longo dos séculos até chegar aos nossos dias.
A palavra Quaresma vem do latim “Quadragesima”, em referência aos quarenta dias que antecedem a Páscoa. Nos idiomas de origem germânica são utilizados termos derivados da palavra Lencten, com o significado de primavera. Nos idiomas provenientes do latim, o termo é usado para designar o tempo de preparação para a Páscoa.
No Hemisfério Norte o tempo da quaresma coincide com a primavera, com o renascimento da natureza após o inverno. Ainda que isso não ocorra no Hemisfério Sul onde estamos, pois aqui estamos nos preparando para o inverno, o termo é bem apropriado, porque se a quaresma for bem vivida, representará uma verdadeira primavera, um novo renascimento na vida espiritual.
Santo Agostinho escreveu que o tempo da quaresma simboliza a vida presente na terra, com suas adversidades e tribulações, e que o tempo da Páscoa simboliza a alegria da vida futura.
A determinação da quaresma como um período que recorda aqueles 40 dias que antecederam a vida pública de Jesus não tinha concordância entre Oriente e Ocidente. Em geral as igrejas do Oriente e do Ocidente contavam os dias da Quaresma de maneira diferente.
No Oriente, os fiéis eram dispensados de jejuar os sábados e domingos. No Ocidente, eram isentos só nos domingos e a Quaresma durava 6 semanas, ao contrário do Oriente, onde durava 7 semanas. No século VII, a Quaresma começou a ter seu início 4 dias antes do primeiro domingo, com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas, de maneira que passou a ter 40 dias, como acontece na atualidade.
A prática do jejum e da abstinência de carne durante a Quaresma desde o início foi incentivada pela Igreja, mas as normas foram se modificando ao longo dos séculos. No século V, por exemplo, era permitida uma refeição no final da tarde, mas a carne não era permitida nem sequer aos domingos. A carne, o peixe e, em muitos lugares, os ovos e produtos lácteos eram absolutamente proibidos.
Nas igrejas orientais, ainda hoje são seguidas regras bastante parecidas. Os cristãos não podem comer animais vertebrados ou produtos derivados de vertebrados, isto é, nem carne, nem peixe, nem ovos, nem queijo, nem leite.
No Ocidente, entretanto, as normas mudaram bastante. No começo, era permitido um pequeno lanche, depois o peixe foi aceito e, finalmente, aceitou-se também a abstinência de carne apenas na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Além disso, os produtos lácteos também se tornaram permitidos.
Atualmente, os católicos devem jejuar na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa, abstendo-se do consumo de carne nestes dias. Muitos consideram ter havido um relaxamento completo das normas e da vivência da Quaresma, mas, por outro lado, é importante perceber que a prática do jejum e dos outros procedimentos quaresmais, como a esmola e a oração, nunca devem ser impostos como uma obrigação, mas como uma prática espontânea e livre, como expressão do amor a Deus e ao próximo, tendo, assim, muito mais valor.
E o Papa Francisco trabalha para que haja a unificação da celebração do dia da Páscoa, para que todas as igrejas cristãs o façam no mesmo dia, o que ressaltaria ainda mais o seu valor e significado.
Fonte: Portal A12 / Por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.