Homilia da Missa do Crisma

 
Irmãos e irmãs, sejam todos bem vindos à celebração eucarística da unidade da Igreja de Belém. Acolho, juntamente com nosso querido Bispo Auxiliar Dom Irineu Roman, os sacerdotes e diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas, pessoas dedicadas a Deus nas Comunidades de Vida e Aliança e, de modo todo especial e carinhoso, todos os irmãos e irmãs que aqui representam suas Paróquias e Comunidades, espalhadas por toda a Arquidiocese. Aqui estamos para celebrar a unidade de nossa Igreja! Aqui todos nós encontramos nossa vocação, nosso lugar e nossa missão.
 
“O testemunho que o Senhor dá de si mesmo e que São Lucas recolheu no seu Evangelho, ‘Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus’, (Lc 4,43) define toda a missão de Jesus: ‘Para isso é que fui enviado’ (Lc 4, 43). Estas palavras assumem o seu significado pleno confrontadas com o que ouvimos hoje na Primeira Leitura e no Evangelho: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres’” (Evangelii Nuntiandi 6). Com o Apocalipse, queremos proclamar: Ele, Jesus Cristo, é a testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos, o soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez  de nós um reino de sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o poder, pelos séculos dos séculos. Amém. Vede! Ele vem com as nuvens, e todo olho o verá – como também aqueles que o traspassaram. Todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele. Sim. Amém! ‘Eu sou o Alfa e o Ômega’, diz o Senhor Deus, ‘aquele que é, que era e que vem, o Todo-poderoso’” (Ap 1,5-8).
 
Ele, que fez  de nós um reino de sacerdotes para seu Deus e Pai, é a rocha e o fundamento de nossa Igreja. E a Igreja de Belém existe para evangelizar. De fato “a Igreja tem consciência viva de que a palavra do Salvador, ‘Eu devo anunciar a Boa Nova do reino de Deus’ (Lc 4,43), a ela se aplica com toda a verdade. Assim, ela acrescenta de bom grado com São Paulo: ‘Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho’ (l Cor 9,16). A tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja; tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (Evangelii Nuntiandi 14).
 
A Evangelização acontece através do diálogo, o serviço, o testemunho de comunhão e o anúncio do nome de Jesus Cristo! Todos estes elementos se encontram presentes na Igreja e em nossa Igreja de Belém, o que se torna motivo de gratidão imensa ao Senhor. Deus seja louvado por todas as pessoas que, na história da Arquidiocese, dedicaram e dedicam suas vidas a plantar as Sementes do Verbo de Deus em todos os ambientes, derramando tantas vezes sangue, suor e lágrimas pelo crescimento do Reino de Deus. Neste Reino, todos nós somos chamados à missão!
Uma das muitas chagas do tempo em que vivemos é a desunião, fruto do individualismo exacerbado no qual tantas pessoas mergulharam. Motivos ideológicos, culturais, políticos e religiosos oferecem o terrível espetáculo dos conflitos constantes, a corrupção, a violência e a convulsão social. Até os maravilhosos recursos tecnológicos à nossa disposição acabam contribuindo, pelo seu uso inadequado, para um universo particular baseado no isolamento. Nosso tempo clama pela cura, cuja fonte só se encontra no Evangelho.
Dentre as várias exigências da Evangelização, desejo deter-me hoje com os irmãos e irmãos no testemunho de comunhão, a construção da Unidade do Corpo de Cristo, cuja força pode transformar o mundo. Na oração sacerdotal, Nosso Senhor rezou por nós: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes dei a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um: eu neles, e tu em mim, para que sejam perfeitamente unidos, e o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17,21-23). Pode acontecer que nossas fraquezas pessoais desejem que primeiro o mundo acredite, e depois seremos unidos. Sabemos que a proposta de Jesus é diferente!
 
Queremos dar passos na estrada da unidade, “para que o mundo creia”: O modelo está no Céu: a unidade começa no amor que Jesus experimenta na Trindade: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Unidade se constrói olhando para o alto, pedindo a graça de amar como Jesus amou, acolhendo a vida que vem da Santíssima Trindade. E ele mesmo garante que buscar a unidade garante sua presença entre nós, unidos em seu nome. E repetimos incontáveis vezes: “Ele está no meio de nós” (Mt 18,20). 
 
1. Unidade começa com a disposição pessoal para construir a vida da Igreja, quando cada um de nós olha a Igreja, pensa Igreja, ama a Igreja. Neste ano de realização da IX Assembléia Arquidiocesana de Pastoral, queremos fazer a proposta de “pensar Igreja de Belém”, apaixonar-nos todos, todos os fiéis, nas mais diversas vocações e missões, pelo Reino de Deus e sua Igreja, sair de nossas discussões ou confrontos para ir ao encontro dos irmãos. Cada pessoa edifica a Igreja exercitando seus dons e colocando-os à disposição do Corpo que é a Igreja, pronto a perder suas preferências pessoais, disposto a construir a vida da Igreja. Continuam válidas para todos nós, começando pelos Bispos, as palavras de Jesus: “Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo. De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos  os que virem isso começarão a zombar: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!’ Ou ainda: um rei que sai à guerra contra um outro não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, envia uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, para negociar as condições de paz. Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo! (Lc 14, 26-33) 
 
2. O primeiro passo é meu! A cada um de nós cabe tomar a iniciativa de perdoar, compreender, reconciliar-se, visitar, cumprimentar em primeiro lugar. Alguém pode reagir dizendo “Por que tudo eu?”. A resposta não é minha, mas de São Paulo: “O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, rivalizando-vos em atenções recíprocas. Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor, alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração. Mostrai-vos solidários com os santos em suas necessidades, prossegui firmes na prática da hospitalidade. Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Mantende um bom entendimento uns com os outros; não sejais pretensiosos, mas acomodai-vos às coisas humildes. Não vos considereis sábios aos próprios olhos. A ninguém pagueis o mal com o mal. Empenhai-vos em fazer o bem diante de todos. Na medida do possível e enquanto depender de vós, vivei em paz com todos” (Rm 12, 9-18). 
 
3. Diante de nós e no meio de nós existe o escândalo das divisões a serem superadas, através de uma vida autêntica de comunhão. Ouçamos São Paulo: “As rivalidades e contendas que existem no meio de vós acaso não mostram que sois carnais e que procedeis de modo humano apenas? Quando um declara: ‘Eu sou de Paulo’ e outro: ‘Eu sou de Apolo’, não estais apenas no nível humano? Pois, que é Apolo? Que é Paulo? Não passam de servos pelos quais chegastes à fé. A cada um o Senhor deu sua tarefa: eu plantei, Apolo regou, mas era Deus que fazia crescer. De modo que nem o que planta nem o que rega são, propriamente, importantes. Importante é aquele que faz crescer: Deus. Aquele que planta e aquele que rega são a mesma coisa, mas cada qual receberá o salário correspondente ao seu trabalho. Pois nós somos cooperadores de Deus, e vós, lavoura de Deus, construção de Deus” (1 Cor 3, 3-9).
 
4. Unidade não significa uniformidade. A beleza da Igreja se manifesta nos dons recíprocos das capacidades pessoais e comunitárias. Esta é uma oportunidade para dizer com reconhecimento o quanto é importante a multiplicidade de dons e carismas existentes em nossa Igreja. Ninguém se sinta excluído.
 
Enfim, uma estrada mestra para todos nós, Igreja de Belém. Tem a palavra São João Paulo II, na magistral “Novo Millenio ineunte”, quando propôs a meta de fazer da Igreja a Casa e as Escola de Comunhão: “Que significa isto em concreto? Também aqui o nosso pensamento poderia fixar-se imediatamente na ação, mas seria errado deixar-se levar por tal impulso. Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma espiritualidade da comunhão, elevando-a ao nível de princípio educativo em todos os lugares onde se plasma o homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e as comunidades. 
 
1. Espiritualidade da comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade (1), que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. 
2. Espiritualidade da comunhão significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como um que faz parte de mim (2), para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. 
3. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de tudo o que há de positivo no outro (3), para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um dom para mim, como o é para o irmão que diretamente o recebeu. 
4. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber criar espaço para o irmão (4), levando os fardos uns dos outros (Gl 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento (Novo Millenio Ineunte 43). 
 
O sonho é muito grande, mas é plantado por Deus. Vem em nosso socorro a unção do Espírito na graça sacramental, simbolizada nos santos óleos, cuja bênção e consagração daqui a pouco acompanharemos. Agora, teremos a alegria de testemunhar a renovação dos compromissos sacerdotais de nossos padres, pelos quais nos comprometemos a rezar e acompanhar no ministério que a unção sagrada concedeu.
 
Belém, 13 de abril de 2017
 
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
 
 
 

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