
“A pastoral da moradia tem uma perspectiva própria, a partir do Evangelho mesmo, em que o Senhor nos ensina a lutar pela vida das pessoas. ‘Eu vim para que todos tenham vida e tenham vida plenamente’ (Jo10,10). O Senhor veio habitar no meio de nós e não teve uma casa onde nascer, então, a partir dessa experiência religiosa é que a Pastoral da Moradia orienta todas as pessoas que querem buscar um mundo melhor, onde a moradia esteja presente na vida do nosso povo, das famílias”, afirma dom Manoel Ferreira dos Santos Junior, bispo diocesano de Registro (SP) e referencial para a Pastoral da Moradia e Favela.
O Encontro Nacional da Pastoral da Moradia e Favela reuniu articuladores e articuladoras de todas as regiões do Brasil proporcionando a troca de experiências entre Dioceses e Arquidioceses que historicamente tem uma atuação de mais de quatro décadas e outras que estão iniciando ações como pastoral estruturada. O momento também possibilitou a mobilização para um plano de ação integrado, em vista de avanços na Pastoral e da Campanha da Fraternidade 2026, que vai abordar o tema Fraternidade e Moradia.
“Já estamos preparando nosso coração para a Campanha da Fraternidade 2026 que vai trabalhar o tema da moradia digna para todas as pessoas. Essa é a missão da Pastoral, como seria bom se nós abríssemos a Igreja para acolher os movimentos que lutam por uma vida digna e se nós, padres e bispos, pudermos dar apoio a essa pastoral, fortalecer em nossas paróquias e dioceses, em nossas comunidades a ajuda para que as pessoas não se sintam desamparadas, mas acolhidas e amadas pela Igreja”, diz dom Manoel motivando a priorização do tema da moradia nos planos de pastoral.
“Esse momento que vivemos aqui no Rio de Janeiro estabeleceu uma grande conexão e isso faz a gente se sentir fortalecido na efetivação e organização institucional da Pastoral da Moradia e Favela. Essa troca de experiências, vivências e conhecimento é iluminador para que possamos coordenar nossas ações. O fortalecimento da identidade da Pastoral e das nossas diretrizes comuns são fundamentais para a incidência política, nossa atuação na esfera pública, para garantirmos que o Artigo 6º da nossa Constituição Federal, que prevê e denomina os direitos básicos, entre eles a moradia, possam ser efetivados”, diz entusiasmado com as perspectivas da Pastoral, Elton Rosetto, coordenador da dimensão sociotransformadora da arquidiocese de Porto Alegre (RS).

Moradia e pastoralidade
“Pra gente foi uma oportunidade muito importante participar do Encontro Nacional da Moradia e Favela. Em Alagoas estamos num processo inicial e espero levar para o estado conhecimentos que possam fortalecer a causa da moradia e as questões que enfrentamos atualmente”, destaca Elenir Melo, que vive em Maceió (AL). A cidade enfrenta o drama do afundamento de cinco bairros, as erosões são causadas pela atividade mineradora. Por décadas a Braskem explorou a extração de sal-gema na região.
“A população é afetada de forma direta tendo que sair de suas casas e também com os transtornos indiretos porque o afundamento do território também provoca grandes transtornos na mobilidade urbana, nos preços abusivos dos aluguéis e com a angústia eminente de que podem perder a qualquer momento suas moradias”, diz Elenir.
Em Manaus a atuação da Pastoral já obteve algumas vitórias, mas ainda há muitos desafios pastorais que esperam por avanços.“Há muito tempo temos resistências na área urbana e rural, temos muitas lutas por moradia, temos desbarrancamento de casas, um índice muito grande de pessoas vivendo em áreas de risco. Na Igreja Católica temos muitas referências de pessoas leigas, padres e freiras que lutaram com a gente ao longo dos anos, um exemplo é a resistência na ocupação do Prédio Alcir Matos que vai completar 10 anos e é uma resistência que não conseguimos sozinhos, tivemos ajuda dos movimentos por moradia como o Fórum de Reforma Urbana, a Rede Jubileu Sul Brasil, a Cáritas Brasileira, a arquidiocese de Manaus, a partir de diálogos com a Defensoria Pública da União, nunca estivemos sozinhos, sempre promovemos o diálogo para que os governos entendessem que existe um déficit habitacional. Hoje estamos muito perto de conseguir a reforma do prédio para destinar as unidades para pessoas de baixa renda, para moradias de interesse social. A moradia é para todos!, afirma Leandra da Silva Ribeiro, moradora da ocupação e liderança da Pastoral da Moradia e Favela em Manaus (AM).

Experiências compartilhadas
A programação do Encontro Nacional contou com momentos formativos, com especialistas na pauta do direito à moradia e à cidade; articulação pastoral e visitas que aconteceram na comunidade do Horto Florestal, na ocupação Vila Autódromo e na Rocinha, onde o grupo celebrou a Santa Missa com moradores. A Arquidiocese do Rio de Janeiro foi a anfitriã e além de organizar as visitas também compartilhou outras experiências que marcam quase cinco décadas de atuação da Pastoral.
“Aqui no Rio de Janeiro somos uma pastoral de 47 anos, uma pastoral estruturada, mas esse encontro foi um grande avanço pra gente trocar experiências, conhecer outros parceiros de outros estados e fortalecer esse movimento de direito à moradia. Tenho uma grande admiração por essa nova pastoral que está se reestruturando e temos aqui no Rio algumas experiências muito positivas, entre elas temos duas favelas que conquistaram recentemente o título de regularização fundiária coletiva, uma com 60 moradias e outra com 120 casas que também serão contempladas até 2026”, relata Maria da Paz, moradora da Rocinha e articuladora da Pastoral de Favelas da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Direito à cidade
A mesa de debates “Cenários do direito à moradia e à cidade: violações, desafios, lutas e instrumentos” contou com a participação da urbanista, professora e pesquisadora, Ermínia Maricato e do arquiteto Daniel Mendes Mesquita de Sousa, além de partilhas das equipes que constroem a Pastoral da Moradia e Favela nos territórios.
“Claro que é importante ter uma Conferência da Cidade. Mas, gente, nada disso substitui o povo organizado na base capilar da cidade. Quando a gente fala na questão da habitação, a solução não é apenas produção de casas novas. Aliás, essa é a solução que o mercado, principalmente as empresas de construção, gostam de falar. Precisamos falar de iniciativas como a urbanização de favelas, o Brasil já deu lição para o mundo nisso. Na década de 1990 a urbanização de favelas no Rio de Janeiro foi muito importante, destaca a professora Ermínia. De acordo com a pesquisadora, nessa experiência mais de 300 mil pessoas tiveram melhorias das condições de vida no Rio de Janeiro. Entre as ações realizadas, as comunidades tiveram canalização e proteção de córregos, serviço de coleta de lixo e saneamento e instalação de equipamentos públicos de educação e cultura.
A pesquisadora também enfatizou como prioridade nas ações por direito à moradia a necessidade de acompanhar todo processo do orçamento público. Para a urbanista, a luta por moradia não pode ser vista de forma isolada porque está estruturalmente vinculada ao uso e ocupação da terra e do território “Quando o poder público investe em determinados lugares, muda o preço do metro quadrado daquele lugar, então há uma disputa sobre o fundo público que a gente precisa estar presente. Muitas vezes não precisa construir casa nova, precisa dar uma melhorada na casa existente”, destaca Ermínia.
Campo e cidade
“Em cada região temos uma situação diferente. Em São Paulo temos famílias na cidade e no campo, por isso o grupo da Comissão Pastoral da Terra também estava neste encontro para representar as famílias que estão assentadas, mas com dificuldades nesses assentamentos e também as pessoas que estão à beira das fazendas esperando serem assentadas. Um dos grandes desafios também são os cortiços, a pastoral segue acompanhando esses grupos na luta pela regularização fundiária.”, conta Solange Severa, da Pastoral da Moradia da Arquidiocese de São Paulo.
“Esse encontro pra nós mostra muita luz porque ele diz: a Igreja está junto do povo assentado, do povo sem moradia, do povo sem teto”, celebra Ana Sueli Ferreira que também atua na Pastoral da Moradia na Arquidiocese de São Paulo.
“Estamos saindo desse encontro nacional com muito gás para construir essa pastoral no Distrito Federal, que tem hoje um déficit habitacional de mais de 100 mil famílias sem teto, temos muita gente em situação de rua, em moradias insalubres e conhecendo aqui várias realidades do país inteiro voltamos com muita vontade de atuar”, destaca Cristiane Ferreira dos Santos.
O Encontro Nacional da Pastoral da Moradia e Favela reuniu cerca de 40 articuladores e articuladoras de todas as regiões do país, em São Conrado, Rio de Janeiro (RJ) entre os dias 24 e 27 de abril.
A Pastoral
A Pastoral da Moradia e Favela nasceu como compromisso concreto da 6ª Semana Social Brasileira (6ªSSB 2020-2023) e está alinhada com as propostas do Projeto Popular: O Brasil que queremos, o Bem Viver dos Povos, iniciativa que articula ações tanto das igrejas, quanto da sociedade civil organizada, na perspectiva de mobilizar caminhos propositivos, no campo das políticas públicas, em vista da superação das desigualdades sociais e da construção de um país mais justo e comprometido com a vida dos povos e seus territórios. A atuação deste pastoral tem como objetivo “ser uma presença eclesial, fraterna, solidária, profética, em muitas periferias do nosso país, onde a moradia se encontra desafiada, precária, bem como, fortalecer a moradia como direito e também promover o direito à cidade”, explica o coordenador, Frei Marcelo Toyansk.
Fonte: CNBB / Por Por Juce Rocha | Cepast-CNBB