Miscelânea: Eunucos

 
 
Como prometi, no último parágrafo da edição passada aqui de Miscelânea, procurarei, nesta de hoje, satisfazer, na medida do possível, a curiosidade do leitor desejoso de saber como eram vistos e tratados os eunucos, nos tempos bíblicos. 

Comecemos relembrando o significado da palavra eunuco. Ela é de origem grega, construída do termo “euné”, que significa leito, cama, e do verbo “Eko”, que significa guardar, cuidar de. Portanto, literalmente, “guarda de leito”.
 
Jesus, acertadissimamente, classificou os eunucos em três tipos: “há eunucos que são assim de nascença; há os castrados pelos homens e há os que se castraram pelo reinado de Deus.”(Mt 19, 12, in Bíblia do Peregrino, Paulus, 2002). Ou seja: excluídos os eunucos de nascença, eunuco, em sentido restrito, era o homem castrado, isto é, aquele cujos órgãos reprodutores, os testículos, foram extintos ou destruídos, impossibilitando-os de gerar. Os que, no dizer de Jesus, castraram-se a si mesmos – claro que em sentido metafórico – pelo reinado de Deus, são os que livre e espontaneamente abriram mão, não apenas da função procriadora, como também, de toda e qualquer atividade sexual, bem como das relações amorosas, para se entregar inteiramente ao Senhor e se pôr a seu serviço. São os chamados consagrados: padres e religiosos de ambos os sexos.
 
No AT a castração, tanto de homens quanto de animais, era proibida. Animais castrados não podiam ser oferecidos em sacrifício. (Lev. 22,24).
 
Uma vez castrado, o homem deixava de pertencer à comunidade de Javé, em obediência ao Código do Deuteronômio (23,2) sendo, consequentemente, excluído da assembleia do Senhor, bem como do ofício sacerdotal, não podendo oferecer sacrifícios. (Lev. 21,20).
 
Para o povo de Deus do AT, compreensivelmente voltado para seu aumento e crescimento numéricos, a esterilidade era um opróbrio, uma humilhação, vergonha das vergonhas não poder, devido a isso, o próprio nome sobreviver. Não havia esse homem que a suportasse. Veja-se, nesse sentido, entre outros, o drama de Raquel, por, sendo estéril, não poder dar filhos a Jacó (Gn 30). Em 1 Samuel 1,10 ss, a angústia de Ana, esposa de Elcana, pela mesmíssima razão, bem como, em Lc 1,1, a de Isabel, esposa de Zacarias.
 
Foi necessário o desastre do exílio para romper essa superestima da fecundidade carnal. No retorno da Babilônia, temos em Is 56,3-5 a proclamação de um oráculo totalmente novo: “Não diga o eunuco”: “Eu sou uma árvore seca.” Porque assim diz o Senhor: “Aos eunucos que guardem meus sábados, que escolherem o que me agrada e perseverarem na minha aliança, eu darei em minha casa e em minhas muralhas um sobrenome e um nome melhores que filhos e filhas.” 
 
E, no livro da Sabedoria, 3, 14; “Feliz o eunuco que não cometeu delitos com as próprias mãos, nem teve maus desejos contra o Senhor: por sua fidelidade receberá favores extraordinários e uma porção cobiçável no templo do Senhor.”
 
A vida dos eunucos, naqueles tempos, não era feita só de espinhos. Nela havia também flores. Será o que veremos na semana vindoura, devido a nesta meu espaço ter chegado ao fim. 
 

 
 
 
 

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