Miscelânea: Os ensinamentos de Jesus durante a longa viagem a Jerusalém (IV)

 
 
 
Após o parêntese, a meu ver oportuníssimo, da edição passada, para um breve estudo do conceito bíblico de paz, voltemos ao ponto em que então paramos: as recomendações de Jesus, no evangelho de Lucas, aos setenta discípulos prestes a sair em missão, à sua frente, às cidades e aos povoados da Judéia, aonde ele decidira ir. Chegamos a ver, precisamente, e aí ficamos, a parte em que o Divino Mestre lhes ensina como agir, ao entrarem numa casa. Comecemos, pois, a partir daí. Pronto, leitor, para esse trabalho, ou, melhor, para esse prazeroso passeio? Então vamos. 
 
Nada de saltarem de casa em casa. (Lc 10, 7a).
 
Durante a estada numa cidade, deverão permanecer na primeira em que entrarem e comer e beber do que lá houver sem exigências e sem constrangimentos, visto que o operário – e eles o são, a seu chamado, operários do Reino de Deus –  é digno do seu salário, (Lc 10, 7b), observação que, anos depois, o apóstolo São Paulo, meu querido padrinho de ordenação presbiteral juntamente com Santa Terezinha, citará como lei da missão, lembrando aos Coríntios: “Não sabeis que os que desempenham funções sagradas vivem dos rendimentos do templo, e os que servem ao altar têm parte no que é oferecido sobre o altar? Da mesma forma – recorrendo ao que disse Jesus no trecho acima – “o Senhor ordenou aos que anunciam o evangelho que vivam do evangelho.” (1 Cor 9,13s).
 
As duas ações básicas, portanto imprescindíveis, a serem feitas aí, ou seja, em cada cidade visitada: curar os enfermos, não um ou dois, mas todos os que lá houver, – claro que em seu nome, pois é como estão indo, e com o poder taumatúrgico recebido dele ao serem enviados – e anunciar-lhes, na tradução vernácula da Bíblia de Jerusalém, edição da Paulus, que “ O Reino de Deus está próximo de vós”, e , na do Peregrino, também da Paulus, e na Bíblia tradução ecumênica, edições Loyola, que “O reinado de Deus chegou até vós.” (Lc 10, 8).
 
No Grego, língua desse evangelho em sua edição definitiva, aceita como original, lê-se, em caracteres vernáculos, “EnguidzenefImás e Basiléia tu Theú,” cuja tradução literal “aproxima-se de vós o, segundo consta na Bíblia de Jerusalém, Reino, e, na do Peregrino e na Ecumênica, reinado, como acabamos de ver.
 
A esta altura, o leitor deve estar se perguntado: mas, afinal, o que disse mesmo Jesus: reino, ou reinado?
Vejamos. A língua grega, até onde sei, tem uma palavra só, “Basiléia” – que se encontra no texto evangélico em questão – para ambos os conceitos, o de reino e o de reinado. A escolha de um ou de outro depende, caso a caso, do contexto, uma vez que reino e reinado não são a mesma coisa.
 
Rigorosamente falando, ou seja, em sentido restrito, reino é o território dominado por um rei, que, por herança, ou por conquista, é seu senhor e proprietário, enquanto que reinado é, tanto o exercício do poder por um rei, quanto o tempo de duração desse exercício.
 
Se me permite o leitor, uma oportuna observação, pois que deveras esclarecedora: tanto o termo grego “Basiléia”, quanto o hebraico “Malkut”, aqui grafados com caracteres vernáculos, significam, em primeiro lugar, o poder real, bem como o exercício ativo desse poder, e só depois, em segundo lugar, o território em que esse poder era exercido.
Os sinóticos – para quem não lembra ou não sabe, os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas – para apresentar, como fazem, a atuação salvífica de Deus no mundo na pessoa e no ministério público de Jesus, recorrem à imagem do domínio régio, razão pela qual acho que, no caso em tela, o correto é empregar a palavra reinado, como vimos há pouco na citação da Bíblia do Peregrino e na da Ecumênica.
 
Uma segunda e última observação, antes de terminar: os judeus de antigamente, máxime os chamados observantes, – os de hoje infelizmente não sei – por respeito ao nome de Deus, jamais o pronunciavam, sobretudo a palavra Javé, impronunciável, substituindo-os pelo circunlóquio “céu(s)”. Um exemplo: se errei, que o céu me condene. Bem ao contrário de muita gente – e gente boa, “boíssima” – de nossos dias, que vive a usá-lo em vão, a torto e a direito e, quantas e quantas vezes: desrespeitosa e, pior, sacrilegamente. Não sejamos do time desses tais.

 
 
 
 

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