“Não se põe remendo novo em roupa velha …Vinho novo em odres novos”

Em preparação para a 9ª. APA, estamos na etapa das Miniassembleias das regiões. Realizamos a nossa dia 10/06. Neste artigo não quero comentar o resultado, apenas algumas impressões muito pessoais, a partir da citação bíblica acima. É uma provocação para continuar pensando, pois, como bem diz padre Zezinho: “Uma Igreja que não pensa dá o que pensar”. 
 
Quando nos perguntamos sobre a nossa identidade como Igreja em Belém, o povo fica um pouco confuso. Afinal, nós não somos a Igreja, Povo de Deus? É claro que sim, mas a pergunta se refere ao que somos enquanto Igreja particular encarnada nesta realidade do Pará. A resposta que surge é: Somos uma Igreja missionária, com forte tradição, inclusive com mártires, porém, há retrocessos, cansaços e até certo fechamento causado por um forte devocionismo que não leva necessariamente ao agir cristão comprometido. Há uma fé viva, sem dúvida, mas ofuscada pela busca de uma segurança religiosa às vezes centrada no poder, na piedade popular sem catequese e na insistência em sair em missão com o objetivo de persuadir as pessoas para voltarem as igrejas, como se igrejas lotadas fosse sinal de fé comprometida; eis o erro fundamental. O que de fato precisamos é de comunidades que, a exemplo de Atos dos Apóstolos, “tenham um só coração e uma só alma… que sejam perseverantes em ouvir os ensinamentos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações, repartiam seus bens com os mais necessitados, frequentavam o Templo e tomavam as refeições com alegria” (4,32; 2,42ss).“Não deixemos que nos roubem o Evangelho” (Evangelii Gaudium, 97).

Por isto, quando os discípulos de João se aproximam e perguntam o porquê dos seguidores de Jesus não jejuarem, eles queriam manter uma prática do Batista, do deserto, da voz que gritava pedindo conversão. Jesus não despreza os ensinamentos de João Batista, mas apresenta o outro lado da medalha. Porque jejuar se o Messias está presente? Jejuar agora seria colocar um remendo novo em roupa velha (Mt 9, 14-17). Querer costurar uma coisa que já está se desfazendo pelo tempo, fora de uso. A coisa não funciona. Alguns pensam que obedecer ao mandato de Jesus IDE E ANUNCIAI, como também pede papa Francisco, é partir para o proselitismo religioso, persuadir, convencer pela força de pregações, milagres, promessas de céu ou inferno, cura e libertação, adorações intermináveis. Esquecem, como bem dizia Santo Inácio de Antioquia: “A fé não se conquista pela persuasão, mas pela atração”. Persuadir as pessoas é “Colocar vinho novo em odres velhos” (Mc 2, 18-23), azeda e arrebenta, perdendo o vinho. 
 
A evangelização verdadeira produz o vinho bom (Jo 2, 1-11). Aquele vinho abundante; no final da festa, que aquece o coração, a mente e a vontade, e que atrai as pessoas para o sentido profundo da fé com as perguntas: o que é este vinho novo? Que roupa nova é esta que me faz nova criatura? Aqui está o problema. Uma Igreja em saída não cresce apenas com missas na rua ou confissões nas praças. A Igreja em saída é aquela que pensa, reflete, reza e executa sem medo de errar, sem voltar a tradições e roupas que num tempo tiveram sentido, mas hoje não dizem nada ao homem e a mulher da era digital. Precisamos de roupa nova, odres novos porque o vinho será sempre o BOM VINHO, Jesus, e a roupa se constrói a partir da adesão a ele, pela conversão pessoal, mudança de dentro para fora e não do exterior para dentro.

Hoje, o que estamos assistindo no campo religioso, é o grande mercado da fé. Há uma negociação do ato de crer.  Falsas curas e atos de charlatanice desmedidas, são usadas para persuadir e enganar a grande massa. Pregadores, tanto padres como pastores, sobretudo de linha neopentecostal usam e abusam da oratória e do fundamentalismo bíblico para persuadir mulheres fragilizadas que vivem dramas existenciais profundos como perdas amorosas, problemas de saúde, financeiro; seduzem também muitos homens desesperados pelas prisões às drogas e bebidas, as perdas financeiras e ao vazio emocional; seduzem jovens que não sabem o que fazer da própria vida e buscam na religião uma tábua de salvação meramente material. No entanto, o que Deus preenche na nossa vida não são coisas materiais, mas imateriais. O vazio que muitos sentem hoje é forçado pela indiferença, pelas buscas intimistas, egoísmo autodestruidor, ciúmes, imposições, difamações, vinganças, falta de compromisso real e definitivo, desgosto pela vida, desvalorização do outro (EG, 100). Faz-se urgente resgatar o sentido “vida plena” (Jo 10,10), e esta plenitude é dada no vinho bom e na roupa nova que a fé nos dá na adesão radical a Jesus, caminho, verdade e vida. “Não deixemos que nos roubem a força missionária” (EG 109).
Por conseguinte, a ação evangelizadora da Igreja em saída não pode cair na tentação de persuadir pessoas com promessas de prosperidade, “com o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez” (D.AP, 12); este modelo está na contra mão do Evangelho e terá vida curta e deixará milhares de pessoas na mais profunda frustração existencial, como já estamos vendo acontecer com a grande mobilidade religiosa de hoje, que é um dos efeitos de uma religiosidade sem fé, sem reflexão e sem a devida dimensão do transcendente. 
O que temos hoje é uma prática religiosa da negociação, das profecias falidas e de pregadores mediáticos sem conteúdo, apenas gritos no meio da escuridão (D.AP, 36-38). A ação evangelizadora da Igreja em Belém precisa manter o caminho da lucidez, da clareza do Evangelho, do testemunho de vida, de comunidades unidas, de agentes preparados e de uma ação samaritana que acolha os caídos, cure as feridas dos maltratados, fale ao coração dos desorientados, estremeça os acomodados, livre da culpabilidade e apresente a graça salvadora de Cristo (EG, 88-92).Enfim, uma Igreja que não atrai pela força das negociatas, pelo mundanismo espiritual (EG, 93), mas pela palavra profética. Uma Igreja de Palavra e da Palavra.“Não nos cansemos de fazer o bem” (EG, 101).
 
 
 
 
 

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