Nossa Arquidiocese está organizando a 9ª. APA com o tema Evangelizar: graça, vocação e identidade da Igreja, um tema que nos remete a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do papa Paulo VI. Um documento que não se perdeu ao longo do tempo. Tem uma força profética excepcional, gigantesca. Assim expressava-se o papa:
A Igreja sabe-o bem, ela tem consciência viva de que a palavra do Salvador, “Eu devo anunciar a Boa Nova do reino de Deus”, (34) se lhe aplica com toda a verdade. Assim, ela acrescenta de bom grado com São Paulo: “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho”.(35) Foi com alegria e reconforto que nós ouvimos, no final da grande assembleia de outubro de 1974, estas luminosas palavras: “Nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja”;(36) tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição (n. 14).
Esta identidade da Igreja requer de nós hoje, 26 anos depois, uma retomada corajosa e criativa para darmos as respostas que o contexto urbano atual nos exige. Coloco-me na condição de tantos homens e mulheres que dentro ou fora da Igreja querem dizer algo. Entendendo que a Igreja não é uma estrutura, mas pessoas em suas mais variadas missões, carismas e serviços. O que dizer a Igreja de Belém? Como sonhar um projeto pastoral que responda o mais possível a nossos desejos de filhos e filhas desta mãe comum que amamos até as entranhas? Em quatro pontos expresso meu pensamento como colaboração a este momento histórico da APA.
1. Dar credibilidade aos cristãos leigos: Desde os inícios da Igreja, que nasceu marcada pela laicidade, o papel dos cristãos leigos foi enorme tanto na organização da vida eclesial como na ação missionária. Pedro, Paulo, Apolo, etc, eram cristãos leigos. O Batismo marcava profundamente a participação na dimensão profética, sacerdotal e regia de Jesus Cristo. As primeiras lideranças de comunidades foram leigas. A sacerdotalização na missão da Igreja é fruto de um processo, consequência de sua identidade, não de sua natureza. Então, a laicidade precisa ser compreendida, valorizada, incentivada e resguardada do clericalismo. Quanto mais se cresce na corresponsabilidade eclesial, mais os leigos serão protagonistas da evangelização (Cf. CNBB, documento 100, n.212). Um laicato clericalizado pode ser mais cômodo, porém, revela a imaturidade e a falta de liberdade cristã (Cf. CNBB, documento 100, n. 213.). Portanto, é fundamental que os cristãos leigos cresçam na consciência de ser Igreja e que ocupem os espaços e ambientes de evangelização de ponta. Uma riqueza e ao mesmo tempo um problema à longo prazo, é a multiplicidade de movimentos que surgem como tentativas a respostas imediatas de questões sociais, familiares e juvenis, quebrando às vezes a pastoral de conjunto e pulverizando a missão eclesial com uma diversidade sem controle, sem assistência, fragmentada e , por vezes, controlada por carismas pessoais que desejam uma igreja à própria imagem e semelhança. Daí o discernimento para aquilo que são comunidades transitórias, que formam pequenos núcleos evangelizadores nos bairros, escolas, universidades, condomínios, etc, (Cf. CNBB, documento 100, n. 237-239), com comunidades estabelecidas em territórios, como as CEBs e os Movimentos e Associações de fieis, que atraem pessoas de diferentes contextos (Cf. CNBB, documento 100, n. 228. 231s). Todos estes ambientes de evangelização estão caracterizados pela laicidade.
2. Descentralização paroquial: as paróquias surgiram historicamente no século IV, com a liberdade religiosa Constantina. De pequenas comunidades reunidas nas casas para locais fixos, as grandes catedrais com a presença do bispo e dos presbíteros como organizadores da vida eclesial. Migrou-se do campo, pequenos feudos, para a cidade (Cf. CNBB, documento 100, n. 111s). Com a Reforma e o Concilio de Trento (S. XVI), o critério de territorialidade e da presença do pároco foi estabelecida (Cf. CNBB, documento 100, n. 118). No Brasil do século XVI, a vida dos cristãos girava ao redor das confrarias e irmandades laicais, somente no século XIX haverá uma mudança com a influência imperial e o surgimento da paróquia como o lugar para se viver as expressões religiosas. A territorialidade, então, tornou-se a regra geral para a vida eclesial. Com isto a presença do laicato foi diminuída e reforçou-se a presença do clero (Cf. CNBB, documento 100, n. 119ss). Com o Concílio Vaticano II, surgiu uma nova concepção de paróquia, devolvendo aos leigos maior autonomia e protagonismo com a pastoral de conjunto até chegar a compreensão de que a paróquia é uma rede de comunidades, na firma comunhão e criatividade evangelizadora, acolhedora e missionária. A paróquia passa a ser entendida como lugar da vivência da fé, do culto e da caridade, segundo os interesses e afinidades (Cf. CNBB, documento 100, n. 166. 244-256). Por conseguinte, a paróquia torna-se a casa dos cristãos, uma comunidade para a missão, descentralizada, portanto. Onde a pessoa do pároco é muito mais que um administrador de sacramentos, mas um formador, animador e guia espiritual, que não governa sozinho nem centraliza todas as tarefas.
3. Visibilidade nos meios de comunicação (mídias): para ser realmente missionária, a Igreja precisa ir até as pessoas, tanto nas fronteiras físicas como virtuais (Cf. CNBB, documento 100, n. 189). Hoje, o grande desafio é saber utilizar as mídias como instrumento de comunicação da Palavra. Para tanto, a Igreja não pode cair na tentação de apenas mudar de estrutura, ou seja, o que se faz dentro das capelas levar para as mídias. Isto não representa muita coisa. Não faz a diferença. É preciso recriar a linguagem na comunicação para as mídias. Não basta, por exemplo, as missas na TV para achar que se chegou aos que não participam nas comunidades; é importante que esta celebração tenha a linguagem da mídia. Às vezes nossos programas de rádio, TV, internet ainda são elaborados para ensinar, exortar, e perpetuar um estilo de linguagem de púlpito. São necessários novos comunicadores para o ambiente virtual para chegar a tocar na carne daqueles que vivem na Urbe, ocupados com tantas coisas. As mídias são cada vez mais interativas, envolventes, velozes e provocativas. A Igreja será visível na medida em que deixar o formalismo e criar uma comunicação de impacto sem ser sensacionalista.
4. Nova mentalidade evangelizadora: há uma tendência a sair sem saber para onde ir. Quem não sabe para onde vai pode nunca chegar á meta, no caso da Igreja, a meta é a comunicação de Jesus Cristo. Isto exige uma forma de evangelizar que supere a mera prática de culto e a religiosidade (Cf. CNBB, documento 100, n. 188). É preciso que haja o querigma, anúncio primeiro e essencial, que cause impacto na própria vida, questione as crenças, desconserte as certezas, reconstrua a linguagem. O grande problema para muitos evangelizadores é a pretensão de já saber tudo, sobretudo, de não se permitir aprofundar o ato de fé, ou seja, de não considerar que a fé é dom e precisa ser compreendida ao longo das fases da vida humana. Papa Francisco, no encontro com o clero de Roma, exortava a estar atento aos ensinamentos da Evangelii Gaudium, que nos recorda exatamente esta postura dinâmica da fé, um verdadeiro caminho de formação e de amadurecimento (Cf. EG, 160). “O crescimento na fé, dizia o papa, dá-se através de encontros com o Senhor ao longo da vida. Estes encontros conservam-se como um tesouro na memória e são a nossa fé viva, numa história de salvação pessoal” (Cf. Francisco, o progresso da fé na vida do sacerdote, encontro com o clero de Roma 02/03/2017). Quem considera que sabe tudo se comporta sempre como mestre. Quem busca aprofundar o que recebeu da tradição está aberto a aprender e a testemunhar com a vida e a palavra o que recebeu. A fé recebe todos os impactos da modernidade líquida: subjetividade, indiferença, incerteza, medo, incredulidade. Por isto, precisa de constante rejuvenescimento para não ceder à mesmice.
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