A Oração nos livros sapienciais

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

O maior número de orações na bíblia encontramos nos livros sapienciais, de modo particular nos Salmos. Todavia, a característica própria dos textos sapienciais, não é de natureza litúrgica, mas existencial. Animado pela fé, o sábio medita sobre o sentido da Vida, o cultivo da necessária hierarquia de valores, a importância da qualidade das relações humanas, e abre-se para contemplação da inteligência e a sabedoria divina presentes nas criaturas vivas e em todo o universo!

Ao final deste texto, ressaltamos alguns exemplos de oração presentes em alguns livros sapienciais. O conteúdo dessas orações evidenciam a beleza da fé entranhada na existência humana. Isso significa que a experiência da oração é um recurso que brota da Fé que está a serviço da Vida, da saúde e da paz do próprio homem.

1 – A Oração e o sentido da Vida

A abundância da oração na literatura sapiencial nos diz que, quanto mais o ser humano se dedicar à reflexão sobre o sentido da vida e sobre a origem do universo e beleza da sua constituição (cf. Sb 13,2-9; Sl 8), mais se sentirá provocado à oração, sobretudo, para manifestar o seu louvor e ação de graças a Deus. Por outro lado, a oração de súplica e penitencial é, consequência da tomada de consciência da ingratidão (indiferença) humana diante do amor divino. Por isso, muitas vezes, as orações de súplicas e penitenciais, estão inseridas num contexto de sofrimento que brota de muitas situações como doença, perseguição, injustiça, pecados etc.

2 – Deus também silencia

A oração não é uma corda mágica que, quando puxada, imediatamente Deus atende. Muito mais do que estratégia de consolo imediato que provoca a resolução dos problemas pessoais ou coletivos, a oração é uma experiência de terapia que vem da Esperança, da confiança em Deus, da liberdade de poder contar com alguém todopoderoso, superior ao próprio ser humano!

A oração é a rejeição do narcisismo, da prepotência, do orgulho humano, da ilusória autossuficiência; na oração o sábio crente confessa sua pequenez, vulnerabilidade e estado de permanente dependência do criador. A oração não é estratégia infalível de resolução de problemas pessoais nem coletivos, mas é uma atitude de reconhecimento da soberania divina. Não encontramos uma lógica do porque algumas orações são atendidas e outras não! Deus também silencia, pois também no diálogo, há espaço para o silêncio! Estamos diante de um mistério e sua resposta está no coração de Deus, aquele que a tudo transcende.

Para muitos orantes, às vezes, Deus parece surdo, insensível, indiferente ao sofrimento humano, cego diante dos males e dos injustos… “Javé, por que ficas longe, e te escondes no tempo da angústia? A soberba do injusto persegue o infeliz” (Sl 10,1-2).

 “Levanta-te, ó juiz da terra, devolve o merecido aos soberbos! Até quando os injustos, ó Javé, até quando os injustos irão triunfar? Eles transbordam em palavras insolentes, todos os malfeitores se gabam. Eles massacram o teu povo, Javé, eles humilham tua herança; matam a viúva e o estrangeiro e assassinam os órfãos” (Sl 94,2-6). “Javé, até quando me esquecerás? Para sempre? Até quando esconderás de mim a tua face? Até quando terei sofrimento dentro de mim, e tristeza no coração, dia e noite? Até quando meu inimigo vai triunfar?” (Sl 13,2).

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Apesar de meus gritos, minha prece não te alcança! De dia eu grito, meu Deus, e não me respondes. Grito de noite, e não fazes caso de mim!” (Sl 22,1-3). “Até quando, Javé, vou pedir socorro, sem que me escutes? Até quando clamarei a ti: «Violência!» sem que tu me tragas a salvação? Por que me fazes ver o crime e contemplar a injustiça? Opressão e violência estão à minha frente; surgem processos e levantam-se rixas. Por isso, a lei perde a força e o direito nunca aparece. O ímpio cerca o justo e o direito aparece distorcido” (Hab 1,1-4).

“Javé, ouve a minha prece! Dá ouvido aos meus gritos! Não fiques surdo ao meu pranto: porque sou hóspede junto a ti, inquilino como os meus antepassados” (Sl 39,13). “Os meus opressores me insultam quebrando meus ossos perguntando todo dia: «Onde está o seu Deus?» (Sl 42,11).

 

3 – Exemplos de orações

Fora os Salmos, nos livros sapienciais há alguns ricos exemplos de orações. Vejamos alguns desses exemplos.

– JÓ 42,2-6: na oração pode haver engano por parte do orante.  “Eu reconheço que para ti nada é impossível e que nenhum dos teus planos pode ser impedido. Tu me perguntaste como me atrevi a pôr em dúvida a tua sabedoria, visto que sou tão ignorante. É que falei de coisas que eu não compreendia, coisas que eram maravilhosas demais para mim e que eu não podia entender. Tu me mandaste escutar o que estavas dizendo e responder às tuas perguntas. Antes eu te conhecia só por ouvir falar, mas agora eu te vejo com os meus próprios olhos. Por isso, estou envergonhado de tudo o que disse e me arrependo, sentado aqui no chão, num monte de cinzas.”

– SABEDORIA 9,1-18: o reconhecimento da nossa pequenez nos estimula a suplicar a sabedoria.  «Deus dos pais e Senhor de misericórdia, tudo criaste com a tua palavra! Com a tua sabedoria formaste o homem para dominar as criaturas que fizeste, para governar o mundo com santidade e justiça, e exercer o julgamento com retidão de alma. Concede-me a sabedoria, que está entronizada ao teu lado, e não me excluas do número de teus filhos. Eu sou teu servo, filho de tua serva, homem fraco e de vida breve, incapaz de compreender a justiça e as leis. Mesmo que alguém fosse o mais perfeito dos homens, se lhe faltasse a sabedoria que provém de ti, ele de nada valeria… Contigo está a sabedoria, que conhece as tuas obras e que estava presente quando criaste o mundo. Ela sabe o que é agradável aos teus olhos e o que é conforme aos teus mandamentos. Manda a sabedoria desde o céu santo e a envia desde o teu trono glorioso, para que ela me acompanhe e participe dos meus trabalhos, e me ensine o que é agradável a ti. Porque ela tudo sabe e tudo compreende. Ela me guiará prudentemente em minhas ações e me protegerá com a glória dela…”

– ECLESIÁSTICO 23,2-6: oração é também súplica pelas virtudes para a perseverança no bem; Deus é o Sumo Bem, a fonte de todas os dons e Virtudes que fortalecem a vontade e a inteligência humana para que busquem a verdade e perseverem no bem.

“Senhor, pai e soberano da minha vida, não me abandones ao capricho deles, e por culpa deles não me deixes cair. Quem irá dar chicotadas em meus pensamentos e disciplinar a minha mente com a sabedoria, para que os meus erros não sejam poupados e as culpas deles não sejam toleradas? Dessa forma os meus erros não se multiplicarão, e os meus pecados não se avolumarão; não cairei diante dos meus adversários, e o meu inimigo não se alegrará às minhas custas. Senhor, pai e Deus da minha vida, não permitas que o meu olhar seja altivo. Afasta de mim os maus desejos. Que a sensualidade e a luxúria não me dominem. Não me entregues ao desejo vergonhoso”.

– ECLESIÁSTICO 36,1-17: uma súplica coletiva, do povo oprimido; na esperança do auxílio divino está o sinal da bondade de Deus. “Tem compaixão e olha por nós, Senhor Deus do universo. Infunde o teu temor em todas as nações. Levanta a tua mão contra as nações estrangeiras, para que elas vejam o teu poder. Castigando-nos, tu mostraste às nações a tua santidade. Agora, mostra-nos a tua grandeza, castigando as nações. Desse modo elas reconhecerão, como também nós reconhecemos, que não existe um Deus além de ti, Senhor. Renova os sinais e realiza outros prodígios. Glorifica a tua mão e o teu braço direito… Senhor, tem piedade do povo que é chamado com o teu nome. Tem piedade de Israel, que trataste como primogênito. Tem compaixão de Jerusalém, tua cidade santa, e lugar do teu repouso…”

– ECLESIÁSTICO 51,1-11: o orante é sempre capaz de ação de graças e louvor a Deus por seus benefícios. Na oração somos chamados também a manifestar o nosso reconhecimento de que Deus é o nosso protetor e libertador de todos os males. Deus é misericórdia! “Eu te agradeço, Senhor Rei, e te louvo, meu Deus Salvador, glorificando o teu nome, porque foste para mim um protetor e socorro, e libertaste meu corpo da perdição, do laço da língua caluniadora e dos lábios que produzem a mentira. Na presença dos meus adversários, tu foste meu apoio e me libertaste, conforme a grandeza da tua misericórdia e do teu Nome, das mordidas daqueles que estavam prestes a me devorar. Tu me livraste das mãos dos que procuravam tirar-me a vida e das numerosas provas que sofri. Tu me livraste do fogo que me rodeava, de um fogo que não acendi, das profundas entranhas do mundo dos mortos, da língua impura, da palavra mentirosa. Uma calúnia de uma língua injusta tinha chegado junto ao rei. Minha alma esteve perto da morte e minha vida chegou junto à porta do mundo dos mortos. Por todos os lados me rodeavam, e não havia quem me ajudasse. Procurei pelo socorro dos homens, mas foi inútil. Então me lembrei da tua misericórdia, Senhor, e das tuas obras feitas desde a eternidade, porque tu libertas os que esperam em ti e os salvas da mão dos inimigos. Fiz subir da terra a minha oração, e pedi para ser libertado da morte… Não me abandones no dia da provação, no tempo do abandono causado pelos orgulhosos. Mas eu vou louvar para sempre o teu Nome e cantar para ti hinos de agradecimento».

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

1 – Por que a oração contribui para a renovação do sentido da vida?
2 – Qual dos exemplos de oração mais lhe chamou a atenção?
3 -Por que a oração está profundamente vinculada à situação existencial do orante?

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