Alguém no meio da multidão

Foto: Sandro Barbosa

A Arquidiocese de Belém acolhe neste Domingo do Círio de Nazaré uma imensa quantidade de pessoas, vindas de muitas partes do Pará e do Brasil, além de alcançar, graças aos meios de comunicação, um número muito maior de fiéis e também de curiosos, atraídos pelo fenômeno da massa que acorre à nossa cidade, que deseja ser uma “Igreja de Portas Abertas”, contribuindo, naquilo que lhe cabe, para que as cidades se encham de alegria (cf. At 8,8).

         Desejamos ver a multidão e nela descobrir, encontrar e valorizar o que cada pessoa traz no coração, seus sonhos, suas escolhas, suas lutas, erros e acertos, para transformar tudo num pacote de presente a ser oferecido a Deus, pois fomos feitos para amá-lo e glorificá-lo, sabendo, com Santo Agostinho, que o nosso coração anda inquieto enquanto não repousar em Deus, e isso não só no face a face com o Senhor, depois de nossa Páscoa pessoal na morte, mas também aqui nesta terra, construindo relações de amor e fraternidade com cada próximo e abrindo-nos para o anúncio da Boa Nova, que nunca será repetitiva, mas continua fonte de renovação e de vida plena.

         O episódio narrado pelo Evangelho do vigésimo oitavo domingo do Tempo Comum (Mc 10,17-30) nos oferece o ponto de partida da reflexão com a qual desejamos iluminar a vida. Trata-se do encontro de alguém que veio a ser identificado como um jovem rico, saído do meio da multidão, trazendo uma pergunta honesta e provocante, existente no coração de todos nós: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” O empenho pastoral da Igreja e de todos os cristãos pede o dever inalienável de ir ao encontro das múltiplas e desafiadoras questões existenciais das pessoas de todos os tempos a respeito do sentido da vida e a perspectiva da eternidade, pois assusta a todos a possibilidade de tudo terminar no nada!

         A Jesus, o Cego de nascença diz que quer ver. Leprosos dele se aproximam afirmando seu poder para purificá-los. Um oficial romano quer que Jesus cure seu filho! A mulher Samaritana quer uma água que lhe permita não mais ir ao poço. E depois descobre em Jesus uma água que jorra para a vida eterna. Uma imensa multidão quer pão para o corpo faminto, e depois Jesus se afirma como o Pão que sustenta para a vida eterna. Pessoas machucadas por todo tipo de enfermidade atravessam distâncias e vencem obstáculos para se encontrarem com Jesus, ou ao menos tocar na orla de seu manto! Chame-se cura, libertação, salvação, escuta da Palavra, a vista, o ouvido ou a língua a ser solta, lá dentro de cada pessoa humana o próprio Deus plantou o anseio pela vida que não termina. Todos nós queremos a vitória sobre a morte e sobre os limites que a ela conduzem!

         Ao encontrar alguns pescadores à margem do Lago de Genesaré, homens que talvez pensassem apenas em peixe, mercado, sustento da família, Jesus os provoca com uma palavra altamente provocante: “Segue-me!”! Um outro, Mateus, ouvindo o mesmo apelo, já possuía, quem sabe, mais do que o necessário para viver, e descobre que a vida verdadeira é muito maior do que os tesouros aqui adquiridos, e sabe Deus de que forma!

         Gerações que precederam sua chegada e seus contemporâneos viram frustradas suas expectativas de um Messias glorioso, disposto a enfrentar com o garbo necessário as potências ocupantes e libertar politicamente o povo sofrido. Aquele que o Pai do Céu enviou é simples e pobre, até entrou na cidade santa na montaria dos pobres, um jumentinho! Jesus deixa gerações e gerações perplexas com seu modo de pensar, agir e falar.

         Este alguém no meio da multidão há de ser identificado, descobrir seu nome e sua história, e aqui está a tarefa dos homens e mulheres de Igreja, convidados a estabelecer um relacionamento pessoal e dedicado com cada pessoa. Acolhida, ou mais bonito ainda, Pastoral da Acolhida, esta é uma arte de nosso tempo, para ajudar a superar o anonimato. Já encontrei conversões suscitadas apenas por uma palavra, um abraço, uma gentileza! Depois, um importante exercício a ser desenvolvido na Igreja é a escuta, e não são poucas as experiências já existentes.

         Para superar a generalidade da multidão, jovens ou adultos, homens e mulheres, hão de ser positivamente atraídos se descobrirem o que é bom, e no episódio do Jovem rico aprendemos que só Deus é bom! A bondade descoberta e partilhada é ponto de partida para a descoberta e o estímulo aos autênticos valores plantados pelo Espírito Santo.

         Temos o dever de valorizar o serviço dos presbíteros que dedicam tempo ao atendimento das pessoas, apelando para aqueles que ainda não se organizaram para este serviço. Questões como orientação para o Batismo, a Catequese, o Matrimônio, as crises de pessoas e famílias, são temas que não podem ser reduzidas a respostas burocráticas em secretarias paroquiais, mas deverão passar para os padres, que têm por ministério, uma graça especial para tanto! Aos presbíteros, nas Paróquias, queremos confiar a proclamação pessoal e direta de que “só Deus é bom”!

         Como ir ao encontro, identificar as pessoas, ajudá-las a sair da multidão? Há que respeitar as etapas da vida. Insistimos na escuta, com a qual não nos escandalizamos com as perguntas e inquietações apresentadas. Crianças exigem respostas simples e objetivas, gestos de atenção, inserção em grupos que contribuam para seu relacionamento com os outros. Adolescentes e jovens, em tempo de formatação de suas decisões para o futuro, tantas vezes incomodam com suas provocações, instabilidades e contradições, mas estas são importantes. Para descobrirem que Deus é bom, somos nós, na maioria das vezes, os instrumentos de que o Senhor dispõe! E no meio da multidão, há a crise da família e as famílias em crise. Importante será que de modo especial as Paróquias ofereçam espaços de atendimento e diálogo, sem desprezar as possíveis intervenções profissionais, aliás valiosas em todas as etapas da vida.

         No episódio do jovem rico, houve a tristeza da partida daquele que foi acolhido com amor. A Igreja seja incansável na busca do pecador, do renitente numa vida desregrada, dos recaídos nas drogas, das pessoas isoladas e deprimidas! Talvez este desafio pareça muito grande, mas a dificuldade poderá ser superada com uma eficiente pastoral da misericórdia, com a qual, através de pessoas, grupos, movimentos e comunidades, encontraremos carismas e graças especiais para realizar tal repescagem! Deus nos ajude a encontrar os caminhos!

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