Cabeça dura e coração de pedra?

Por: Dom Alberto Taveira Corrêa

Jesus visita Nazaré, onde se tinha criado (Mc 6,1-6), e encontra naquele ambiente reações contraditórias. De um lado, pessoas admiradas com a sabedoria que brotava de suas palavras, por saberem que não vinha de classes propriamente eruditas da sociedade do tempo, mas homem de uma família simples, carpinteiro como José, numa pequena localidade, parente de muitas pessoas que circulavam por toda parte, com as observações parecidas com as que ouvimos quando um jovem do interior volta à sua terra e todos se impressionam com quem foi estudar ou trabalhar em centros mais importantes! Todo mundo o conhecia, e uma fonte cujo nome veio a ser “Fonte de Nossa Senhora” devia ser ponto de encontro e dos comentários circulantes!

De outra parte, ajudados também pela narrativa de São Lucas (cf. Lc 4,14-30), quando fala da visita a Nazaré, sabemos como foi rejeitado pelos seus conhecidos e parentes. Ali, chegava como profeta na própria terra, pagando o preço das críticas, o que lhe impedia de operar milagres e anunciar com toda força o Reino de Deus. No entanto, Jesus não se detinha, e percorria os povoados anunciando a Boa Nova do Evangelho. Em outras ocasiões e lugares, o mesmo Senhor encontrou resistências muito fortes, de forma especial das autoridades religiosas da época. Nada lhe impedia de realizar a própria missão, olhando para a realização do plano do Pai, sempre a caminho de Jerusalém, sabendo o que deveria viver, formando os discípulos para as provações que necessariamente chegariam para eles e a Igreja.

Aliás, não faltaram dificuldades e desafios no correr da história da Igreja, e nosso tempo não é diferente. O texto do Profeta Ezequiel, proclamado neste final de semana (Ez 2,2-5) mostra com clareza o que viria pela frente, em sua época, no tempo do ministério público de Jesus e na história da Igreja: “Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes que se revoltaram contra mim. Eles e seus pais se rebelaram contra mim até o dia de hoje. É a estes filhos de face dura e coração obstinado que eu te envio. Tu lhes dirás: Assim diz o Senhor Deus. Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – saibam que houve um profeta entre eles. Quanto a ti, filho do homem, não os temas nem tenhas receio de suas palavras”.

Há obstáculos para a Evangelização e a atividade pastoral da Igreja. Dentre tantos, observamos alguns pontos que exigem nossa reflexão e ação coordenada. Em torno a nós implantou-se um relativismo desafiador e provocante. A crise de valores nivelou tudo, quando as pessoas defendem o que chamam de “sua verdade”, onde impera um nivelamento em que se pode fazer, falar e viver de tudo o que a imaginação humana seja capaz de engendrar. A falta de referências impera e pede, de nossa parte, firmeza, aliada ao bom senso. Cabe à Igreja ir ao encontro do mistério que é a vida de cada pessoa, ouvir e suscitar interrogações sobre o sentido da existência. Proclamações altissonantes de cunho conservador, ou progressista, ou fanático, só provocam isolamento e fechamento das pessoas. Não se vence o jogo no grito!

O mundo se transformou numa espécie de hipermercado em todos os sentidos, também religioso, no qual as pessoas podem escolher o que mais lhes agrada, especialmente se não exige compromissos de vida moral e de retidão. Na realidade, o “religioso” vem a ser, para muitos, o que me traz um consolo ou compensação imediata. E as portas de templos começam a parecer “postos de combustíveis”, que não criam qualquer relação de compromisso, pois as pessoas passam a ser consumidoras e não membros fiéis de uma Comunidade Eclesial, na Fé, no Culto, e na Caridade.

Na mesma vertente, ocorre-me um comentário ouvido num meio de comunicação, onde o uso dos celulares pelas crianças era o assunto. Pareceu-me proposital quando se referiam aos eventuais limites de tais meios pela criançada, entrou uma observação que parece até verdadeira, dizendo que os valores espirituais ficam por conta de cada pessoa ou grupo. Esconde-se assim uma separação radical entre aquilo que a pessoa professa como fé e a incidência na sociedade. É como dizer que a vivência da fé não tem nada a ver com o resto da vida!

Outro desafio é a redução da experiência religiosa aos sentimentos, enquanto o seguimento de Jesus implica coerência de vida inclusive e de modo especial nas ocasiões em que nada oferece compensação emocional, pois o núcleo da fé cristã se encontra no Mistério e Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Digam os mártires da fé, que se mantiveram fiéis diante da tortura e da eliminação de sua vida física, sabendo ser maior e definitiva a recompensa que os esperava. Fidelidade a Deus em qualquer circunstância é a proposta da vida cristã, malgrado nossas fraquezas pessoais, com a certeza de que a graça de Deus vem em nosso auxílio e nos sustenta! 

Os cristãos, não só os chamados a algum ministério específico, todos são chamados, consagrados e enviados. O mundo, mesmo feito de cabeças duras e coração de pedra, é o nosso campo de testemunho e ação, na certeza de que podemos sempre ouvir a voz do Senhor: “No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33). Transformemos nossos medos e ameaças em desafios à nossa oração, criatividade e dedicação. As atividades profissionais, a convivência na sociedade e todas as eventuais provocações existentes são o nosso campo de presença qualificada e de testemunho. Nada de pessimismo ou derrotismo!

O Evangelho do presente Domingo nos leva ao encontro pessoal com Jesus Cristo, na acolhida a um convite precioso de São Paulo: “De fato, pela sabedoria de Deus, o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus por meio da sabedoria, mas, pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem. Pois tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria. Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens (1 Cor 1,21-24). Permitamos que Jesus percorra as redondezas de nosso coração, anunciando a Boa Nova!

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