Ao longo dos séculos, os Santos se tornaram como bússolas espirituais, que orientaram e conduziram a humanidade em direção a Deus, e a seu tempo, foram verdadeiros exemplos. Uma vez chamados à santidade, “todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: ‘esta é a vontade de Deus, a vossa santificação’ (1 Tess. 4,3; cfr. Ef. 1,4)”( LG 39). A Solenidade de todos os Santos nos permite esclarecer e, ao mesmo tempo, indicar algumas reflexões acerca do assim chamado “santo”.
Todo “santo” foi canonizado? Como a Igreja escolhe seus santos? É possível, ainda hoje, descobrir homens e mulheres capazes da verdadeira santidade? O que é preciso para se tornar um santo?
Certamente, voltaremos a este espaço para responder a todas essas perguntas, contudo, parece-nos profícua a resposta de uma delas, para tal, vamos iniciar uma breve viagem à história, teologia e aos procedimentos canônicos, que tornam alguém, como nós, santos canonizados. Mas, há algum santo que não foi canonizado? Sim, há!
É inegável o grande valor pastoral de uma beatificação e canonização. Ao ser canonizado, o santo o é para Igreja inteira, não se tem notícia de que algum deles, desejaram ser elevados aos altares para si mesmos ou para grupos fechados, definitivamente não! Na realidade, somos nós que precisamos de atuais arquétipos e exemplos de cristãos para a vida real. A santidade pertence ao DNA da Igreja e facilmente pode ser entendida como o único caminho que conduz a humanidade à perfeição, seja ela canonizada ou não.
Eu já conheci um santo e você? Não tenho dúvidas que já tivemos a oportunidade de conviver com pessoas que facilmente chamaríamos de santas, pessoas que viveram as virtudes de maneira exemplar; quem sabe familiares, amigos, algum sacerdote.Contudo, há algo a se destacar quando falamos de virtudes, pois, aqui encontramos a diferença entre os santos e o Santo. Para Igreja, o início de um processo minucioso de beatificação de um suposto santo precisa, indubitavelmente, voltar seu olhar de forma específica aos dois conceitos que mais nos interessam neste artigo, a saber: fama de santidade, entendida como “a opinião difundida entre os fiéis acerca da pureza e da integridade de vida do Servo de Deus e acerca das virtudes por ele praticadas em grau heroico”e as virtudes heroicas,que além de pressuposto indispensável para que um católico seja investigado, em vista de uma futura beatificação, corrobora a fama de santidade, como UM que viveu acima da média, ultrapassou os limites humanos na fé, esperança e caridade. É de Próspero Lambertini, Papa Bento XIV, as grandes e atuais contribuições acerca do processo de beatificação e canonização, segundo ele, praticar as virtudes em grau heroico torna um fiel católico alguém, “acima da média”, alguém que buscou, não obstante suas fraquezas humanas, um nível elevado de fé, esperança e caridade.
Historicamente, a Igreja foi reorganizando a cada tempo, a forma mais segura de apresentar ao mundo alguém que pode ser seguido, admirado e elevado aos altares como um Santo. É sabido que os III primeiros séculos do Cristianismo ficaram marcados pelas perseguições, sejam elas esporádicas ou sistemáticas e trouxeram um primeiro grupo de Santos para a Igreja: os Mártires, não havendo um processo como entendemos hoje, foram eles os primeiros a serem chamados e reconhecidos pela Santa Igreja como SANTOS.A partir do IV século, os Confessores passaram a também ocupar um lugar especial nos altares, como forma de alcançar a santidade canonizada, mas, foi a partir do VI século, que a Igreja, na pessoa dos Bispos, passou a organizar os primeiros procedimentos, ainda sem grandes investigações, porém, nas Igrejas particulares, buscava, com as chamadas “Inventiones”, apresentar ao povo seus exemplos de santidade. Dois momentos se destacavam: a Elevatio (prática de desenterrar o santo e mostrá-lo à comunidade) e Translatio (translado do corpo para um lugar de destaque, onde se construiria uma Igreja dedicada ao santo), marcavam a ritualidade de canonização até o X século, que ficou conhecido como período das canonizações episcopais. Chegamos, então, ao marco histórico no que tange ao processo de beatificação e canonização com o papa Gregório IX e seus decretos, que no século XIII, introduziram na Igreja o que até hoje temos como modus operandi, onde o Papa tem a Autoridade, conforme os processos orientados e acompanhados pela Congregação para Causa dos Santos e “ex cathedra”, marcando, dessa forma, as famosas canonizações pontifícias. É claro, que com o passar dos anos, muitas modificações foram feitas, até que o Papa Alexandre VII entendeu o quão significativa e digna era a celebração, e decretou que partir daquele momento todas as cerimônias de beatificação deveriam ser celebradas na Basílica Vaticana. Assim, no dia 8 de janeiro de 1662, o mesmo Papa celebrou a primeira beatificação formal, tornando o grande São Francisco de Sales, um Beato reconhecido pela Igreja. Mesmo com todo trabalho que vem sendo feito para que o processo seja cada vez mais acurado e sério, somente em 1995 a Congregação para a doutrina da fé tornou a canonização um “facto dogmaticum”, ou seja, um ato infalível da Igreja Católica.
Em última análise, uma causa de beatificação e canonização diz respeito a um fiel católico que em vida, na morte e após a morte, gozou de fama de santidade, vivendo de maneira heroica todas as virtudes cristãs ou goza de fama de martírio, porque tendo seguido mais de perto o Senhor Jesus Cristo, despojou-se por completo no ato da entrega de sua vida “per odium fidei”. Eis um Santo!
Por Pe. Ivan Conceição é Postulador para causa dos Santos, canonista e Juiz no Tribunal interdiocesano na Arquidiocese de Belém.