Foto Ilustrativa: Wesley Almeida

Por: Dom Alberto Taveira Corrêa

Todo israelita fiel aprendeu a repetir com expressiva frequência a palavra do Livro do Deuteronômio: “Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E trarás gravadas no teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno. Tu as repetirás com insistência a teus filhos e delas falarás quando estiveres sentado em casa ou andando a caminho, quando te deitares ou te levantares. Tu as prenderás como sinal à tua mão e as colocarás como faixa entre os olhos; tu as escreverás nas entradas da tua casa e nos portões da tua cidade” (Dt 6, 4-9).

Nesta fidelidade está também enraizada nossa atitude diante da Palavra de Deus, que desejamos assumir para o mês da Bíblia, que se inicia neste Domingo, uma iniciativa pedagógica da Igreja no Brasil, para aproximar-nos da Escritura com um coração bom e puro, exercendo a importante inteligência da fé! Neste final de semana, é também do Deuteronômio que ouvimos preciosas recomendações:  “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais. Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos” (cf. Dt 4,1-2.6-8).

O primeiro espaço em que Deus “toma a palavra” é a Assembleia Litúrgica, especialmente na Missa de Domingo, nossa Páscoa semanal. Como a fé vem pelo ouvido (cf. Rm 10,17), na proclamação da Palavra realizada em cada Liturgia, lembrando que se abre para nós a “Mesa da Palavra”, ouvir com atenção e coração aberto. Temos percebido o esforço de nossas equipes de celebração para formar bem as pessoas que devem prestar este serviço nas Paróquias. E tenhamos atenção aos sinais que a Igreja usa para incentivar-nos a este carinho com a Palavra, como o Evangeliário levado pelo Diácono com solenidade na procissão de entrada, as inclinações, a procissão antes do Evangelho, o beijo do Evangeliário, o incenso e outras expressões adequadas, a Homilia, uma “conversa familiar sobre a Palavra proclamada”. É o Senhor que toma a palavra, na proclamação da Palavra!

E a partir daí, aproximemo-nos com renovada disposição da Palavra de Deus, que há de ser luz para os nossos passos nos variados e desafiadores caminhos de nossa vida e de nosso tempo. Valem algumas recomendações para o contato com a Bíblia. A primeira é, justamente, a leitura contínua e fiel da Escritura. Algumas pessoas querem saber como começar a leitura! Pois bem! Uma das propostas viáveis, e transmito o que aprendi desde muito jovem, é começar a leitura pelos Evangelhos, depois os Atos dos Apóstolos e as Cartas de São Paulo e outros. Depois, toma-se o Antigo Testamento, começando pelo Livro do Gênesis.Ao final, chega-se ao Apocalipse, como coroamento e acendimento da Esperança que sustenta nosso caminho. Muitas pessoas têm experimentado dedicar quinze minutos diários à leitura contínua da Bíblia, e percebem que no correr de um ano leram o texto completo.

Para o mês de setembro, que se inicia, a Igreja no Brasil propõe o Livro de Ezequiel, leitura iluminada pelo lema “Porei em vós meu espírito e vivereis” (cf. Ez 37,14). Ao refletir sobre o testemunho do profeta Ezequiel, pode-se responder ao convite feito pelo Papa Francisco à preparação para o Jubileu 2025. “O convite para que sejamos peregrinos de esperança nos faz ser como Ezequiel: arautos da esperança em meio àqueles que, porventura, possam ter se esquecido de Deus ou perdido o seu caminho”.

Quem quiser, e todos devemos querer, rezar com a Bíblia, pode começar a ler um capítulo até encontrar, conduzido pelo Espírito Santo, um versículo ou palavra que chama mais a atenção, ouvir mais de perto e conversar com o Senhor a partir daquele texto, inclusive com um propósito de vida. Podemos também ter um caderno no qual anotamos as inspirações e os passos dados com a força da Palavra de Deus!

Vale a pena renovar ainda a proposta da chamada Leitura Orante da Palavra de Deus (Lectio Divina), semelhante ao que acabamos de apresentar, uma prática antiga, frutuosa e sempre atual: Leitura, com a qual procuramos entender a Palavra, inclusive fazendo-nos ajudar pelas notas existentes em nossas Bíblias, indo com liberdade aos textos paralelos e semelhantes, pois a Palavra explica a Palavra; depois, Meditação, com a qual perguntamos o que Deus quer dizer-nos naquele dia e naquela hora com o texto à nossa disposição, e é bom anotar num eventual diário espiritual as inspirações recebidas; em seguida, Oração, para conversar com o Senhor a partir de sua própria Palavra. Se perguntamos antes o que ele quer dizer, agora é para dizer-lhe o que o próprio Espírito Santo inspira; consequência será a Contemplação, sagrado silêncio, olhando para o Senhor e deixando que ele nos veja; ao final, um propósito de Ação, Vivência da Palavra, a ser anotada para não nos esquecermos.

A Liturgia celebrada na Igreja neste final de semana abre ainda os nossos olhos e nossos corações para um aspecto importante, na recomendação da Carta de São Tiago (cf. Tg 1,17-18.21b-22.27): “Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”. Cada Palavra saída da boca de Deus há de ser praticada. Em nós, ousamos afirmar que a Palavra há de fazer-se carne, transformar-se em vida, capaz de edificar e converter o nosso coração e das pessoas que conosco convivem.

Tudo isso vem, é selado com a Palavra do Evangelho, que apela para a autenticidade e coerência de nossa vida cristã: “Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: ‘Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem’” (cf. Mc 7,1-8.14-15.21-23).

Assim dispostos, possamos rezar com sinceridade o Salmo 14, que a Igreja põe em nossos lábios na riquíssima Liturgia do vigésimo segundo Domingo do Tempo Comum: “Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará? É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; que pensa a verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua. Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor. Não empresta o seu dinheiro com usura, nem se deixa subornar contra o inocente. Jamais vacilará quem vive assim!” (Sl 14, 2-3a.3cd-4ab,5)

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