Sal e Luz: Consertando redes


 
 
“E, adiantando-se dali, Jesus viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, num barco com seu pai, Zebedeu, consertando as redes; e chamou-os; eles, deixando imediatamente o barco e seu pai, seguiram-no”. Esta perícope do Evangelho de Jesus segundo Mateus (4, 21-22 [1]), proclamada na liturgia dominical recente, a cada releitura é um provocativo e, ao mesmo tempo, penso ser um alerta a refletirmos sobre o estado e o cultivo de nossas redes relacionais, como paramos na dinâmica de nossas vidas para consertar, tecer, tratar as teias de nossa convivência, dos relacionamentos que compõem o complexo emaranhado de nossas vidas, junto às pessoas que amamos, muitas destas próximas de nós, ao mesmo tempo longe de um toque, um abraço, uma escuta ativa, um sorriso. Saímos para pescar e pronto, pouco percebemos que os estragos nestas redes podem resultar em prejuízos até irremediáveis. Os discípulos, junto com o pai, consertavam as redes no cotidiano de trabalho e relações interpessoais, quando são convidados a deixar tudo e seguir o Mestre. Ante seu chamado, são impelidos a mudar o rumo de seus caminhos cotidianos, a redesenhar seus destinos e escolhas, a abandonaram os velhos hábitos. É o Senhor quem chama.
 
A metáfora do conserto das redes nos diz que muitas vezes há que se remendar a teia de nossas amizades e relacionamentos diversos. Afinal, magoamos, ferimos, somos indiferentes, orgulhosos, egoístas e as redes de nossa vida se rasgam por não resistir ao peso de nossas misérias, daí a importância de consertá-las, com paciência, resignação e, mais que isso, perdão. Um desculpar-se, um ato de solidariedade ou até um sorriso são atitudes importantes e, em muitas vezes, são a abertura à graça do amor que restaura e renova a rede para “pescar” o bem.
A novidade do Evangelho restaura as redes, o novo do amor que vence e triunfa, tudo renova e fecunda, faz a nova rede servir para acolher as almas que “pescarmos” para o Senhor, retiradas do mal das prisões e dos grilhões da morte, almas que viraram as costas ao bem e seguiram ao oposto da luz, imersas nas sombras, sofrendo a dor de não sentirem-se atingidas pelo amor misericordioso do Senhor. Contudo, com uma nova chance de serem resgatadas.
 
Os discípulos “deixam o barco e seu pai, e O seguem”. Nada pode nos prender aqui, na contingência do mundo material, na efemeridade da vida biológica, na estética rude e na lógica do ter, nas escravidões que fazem petrificar a rede do coração. Sair para pescar nos mares que o Senhor vai indicar é ter a confiança que Ele nos acompanha, está no barco e isto é o mais importante.
 
Tecer as redes é também a metáfora do coração, que precisa ser lavado no perdão e na caridade, na liturgia de cada dia que nos convida a celebrar a presença de Jesus no meio de nós. Por isso a inquietude de avaliar como estão nossas redes relacionais, dialógicas, talvez sujas e cheias de furos e espaços descosturados, abertos. Como está a rede de nosso coração, se com amargura, desesperança ou dor, se cética ou insensível ao chamado contínuo do Cristo que vem até nós.
 
Como nas águas escuras da Amazônia, ao pescar não vemos com segurança o peixe que se esguia por debaixo do verde de nossos cursos d’água, daí a confiança de lançar as redes em um profundo ato de fé, na esperança de trazer quem por misericórdia divina que atinge ambos, cruzou nosso caminho e, quem sabe, tem em nós um sinal enviado por Deus para perseverar. Somos servos inúteis por certo, um nada que com o Senhor, entretanto, faz-se tudo, Ele nos torna capazes de pescar e reunir, congregar, para libertar, no nome do Senhor, das prisões existenciais os que se encontram sem rumo e sem sentido, sem “para quê” viver.
 
Tecer, consertar as redes, este é o tempo do Senhor em nossas vidas, a luz que brilha nas trevas e dissipa as sombras de nossas maldades, do nosso “fundo mau”, para nos trazer à vida novamente, soprar as nossas narinas para que sejamos testemunhas de um amor perfeito, agápico, perene; para também n’Ele sermos fontes de água límpida.
 
Lavar as redes da sujeira que deixamos fazer morada em nosso coração é o chamado de um tempo novo, de graça e fé, como canta o padre Zezinho: somos “fazedores da paz, cristãos de um tempo diferente onde a gente tem de lutar, se quer fazer alguma coisa pela paz, a gente tem que lutar, tem que arriscar, tem que falar, tem que dançar, tem que levar o pão e a paz”. Jesus nos observa e vem ao nosso encontro com os braços abertos e cheios de amor. É tempo de tecer as redes e seguir o Senhor.  Peçamos, pois, como o saudoso padre Léo: “Conserta, Senhor, as redes rompidas, arrebentadas, estragadas do meu coração”. Que assim seja!
 

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