Sal e Luz: Em tom maior


 
 
Resolvi compartilhar algo que tem sido recorrente neste cenário complicado que estamos vivendo com mais intensidade nos últimos meses, problemas relacionais, gente que criou expectativas demais com os outros e não sabe lidar muito bem com as decepções, às vezes me incluo neste grupo. Quem vive o frisson das cidades povoadas como Belém tem se deparado com esta ansiedade e inconstância emocional das pessoas, mas ficar preso no que não saiu como esperávamos também não ajuda em nada, os resultados não são bons. Vez em quando é preciso “minimizar a tela” de nossos afazeres, “dar um tempo” para nós mesmos e respirar mais e melhor, deixar o refrigério da oração falar em nós, ouvir aquela música que nos transporta e lembrar que também agimos assim, muita gente “calça 40” por aí e o mais importante, não estamos sós, Jesus está conosco, todos os dias.
 
Foi assim que ouvi recentemente, de pessoas amigas, a narrativa de situações difíceis que estão enfrentando, além dos problemas, comum a elas foi a decepção com alguém de quem esperavam conforto, acolhida. É mesmo incômoda a decepção, mas penso que isso é inerente à nossa condição humana, pois se há algo certo nos relacionamentos humanos é que, quando menos se espera, nos decepcionamos com alguém que depositávamos confiança e ficou refém da miséria humana, tombou em sua fragilidade, vaidade, por meio de um gesto, palavra, atitude e este perdão não é fácil de dar mas a vida tem de continuar e temos de viver o luto das separações que não queríamos, lembrar que as rosas por mais belas, tem lá seus espinhos e que a vida, como na música, imprime uma melodia em tons menores de vez em quando.
 
Mas se tudo isso é comum em nossos relacionamentos, urge uma decisão também comum, simples, em favor de nós mesmos, uma mudança para tons maiores e nesta melodia, há acidentes. Somos aquilo que queremos ser, aquilo que decidimos ser, quando Jesus chamou seus discípulos, Ele foi ao cotidiano da vida e de lá convidou para O seguir um a um, não escolheu perfeitos mas pessoas. Conosco também é assim, somos livres para escolher, livres para decidir, como somos responsáveis pelas consequências das decisões que adotamos, ao seguir o Mestre era preciso deixar tudo e por a mão no arado. Ficar triste e desestimulado é humano, mas permanecer no chão é perda de tempo.
Uma das situações que mais me incomodam é participar de eventos onde praticamente todo o repertório musical é executado em tons menores; até concordo que eles dão certo brilho, formalidade, mística, e dependendo do contexto; rebeldia, ou lamento mas, cá para nós, com regularidade, tons menores são de certa forma, privação da alegria dos tons cheios, maiores.
 
Na década de 70, era o Caetano Veloso que dava uma dica que guardo comigo até hoje; “Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior” e completa “com todo mundo podendo brilhar num cântico”, viver é conviver mesmo. Penso que é assim, tons maiores são cheios de vida, inclusivos e abertos, animam, chamam, preenchem os espaços, agregam. O segredo para tal escolha é mesmo compreender o sentido do que se quer compartilhar na mensagem sonora e encher a vida de tons adequados, calorosos, amorosos.
 
Santa Tereza de Ávila, dizia que “Quem ama, faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho” e esta é a razão da alegria, sentir-se “com”, ser amado, aceito, incluído, “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”, cantava Tom Jobim na inesquecível “wave” e a música tanto nos ajuda neste caminho do contentamento e de conscientização de nosso papel por aqui que nos convida a chamar os outros para a dança e compreender seu descompasso. Linguagem universal como o sorriso, a música não precisa de tradução mas de harmonia. “Cantar é próprio de quem ama”, lembra Santo Agostinho e quem ama, ama em tons maiores, plenos pulmões, decisão que aniquila barreiras, “Onde há amor e sabedoria, não tem temor e nem ignorância.”, nos ensina São Francisco de Assis.
Perdão, Música, alegria, eis um trinômio que se inter-relaciona, conversa e fecunda nosso coração, dons de Deus em nossas vidas, “A busca de Deus é a busca da alegria. O encontro com Deus é a própria alegria.”, assim nos orienta novamente o Bispo de Hipona, nossa alegria é Deus, sentido de nossas vidas, amor e misericórdia, não há alegria fora deste contexto, nem amor, nem música. Padre Zezinho, fala que Deus “é cantor”, e a melodia que dele vem é perfeita e perene, imutável.
 
Não sei se os amigos que falei no início, irão adotar meu conselho; compreender que todos somos falhos, perdoar, seguir em frente e mudar o tom da música que vivem. É preciso caminhar, confiantes em Deus, isto eu aplico em minha vida, quando os momentos não são favoráveis; uma parada diante de Santíssimo, joelho no chão, um terço bem rezado e o pedido ao Senhor para que sejamos sábios e dóceis ao chamado do amor, retomo o tom maior certo que não adiantam os lamentos mas a alegria e a esperança, porque vem do Senhor. Que assim seja! 

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