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Diante dos mais recentes episódios da grave crise ética que vivemos em nosso país e que inclui engravatados ou não, reli minhas anotações dos estudos da Doutrina Social da Igreja, este importante conjunto de orientações para a vida do homem em sociedade, por meio de posicionamentos efetivos do magistério vivo à luz da fé, cujo resumo é a observação responsável do mandamento “Não roubarás”, enfocando a dignidade humana e a denúncia do pecado de injustiça e de tantas formas de violência, e percebi uma vez mais que o trabalho para recuperar nossa autoestima de ser brasileiro é mesmo fruto de muita boa vontade, paciência, fé e esperança versus a sequência que parece interminável de atos abomináveis de mau uso do dinheiro público e de crimes de toda ordem contra a população.
Vivendo a preparação para a Páscoa do Senhor no caminho quaresmal, avalio o quanto é angustiante e urgente a necessidade de conversão de nosso povo, de cada um de nós e de todos, com destaque para aqueles que sem freios buscam o lucro a qualquer custo, os que há anos detém o poder em todas as esferas públicas e são (muitos, infelizmente) os representantes do povo mas usam do poder para enriquecer ilicitamente e buscar cada vez mais privilégios, e tantos outros que têm em si a semente do pérfido “jeitinho brasileiro” para enganar quem encontram pelo caminho.
A corrupção é um pecado, como vemos no Evangelho de Lucas (13,32). Ela é um roubo, uma apropriação indevida daquilo que é destinado ao bem comum, é o engano onde a cobiça faz seu estrago e atinge milhões de pessoas que sofrem a falta de segurança, educação, saúde, emprego e tantos males que atingem diretamente a cada brasileiro, contribuinte que tem sobre si uma das maiores, se não a maior, das cargas tributárias do planeta e os serviços, paradoxalmente, mais questionáveis no que se refere à sua qualidade e eficiência.
Da sonegação de impostos à adulteração de alimentos, extorsão, pagamento da chamada “propina”, incentivo à cultura de morte, banalização da violência, erotização de crianças, financiamento ilícito de campanhas políticas, nepotismo, tráfico de drogas, de influência e de pessoas e outras práticas criminosas que até em nome da fé no comércio do charlatanismo, fazem a sua barraquinha de vendas e soma-se ao conjunto de crimes e contravenções, no atacado e no varejo, nas instâncias maiores do poder como na venda da esquina em que o dono engana no peso ou na quantidade que consta falsamente na embalagem. É preciso perceber o quanto tudo isto é grave e é pavimentação da estrada do mal. O menor dos erros nesse campo é semente de corrupções maiores e devastadoras. O que fizeram de nossa cultura de valores e respeito ao outro? Até onde somos também responsáveis por este caos?
No Evangelho Lucano, Jesus chamou Herodes de “raposa”, palavra que é utilizada poucas vezes na Bíblia e que é metáfora de enganador, como no livro de Ezequiel (13,4) que no versículo 10 ainda destaca: “Visto que andam enganando, sim, enganando o meu povo, dizendo: Paz, quando não há paz”. Só mesmo as bem aventuranças para nos dar o alento de, em nome do Senhor e por causa d’Ele, buscar a saciedade desta sede de justiça que tanto almejamos, pois, neste abismo ético e moral vivido, até defender o bem é alvo de crítica e deboche dos que querem “se dar bem” sempre. Cristão não é aquele que faz o que quer, vive como quer e se preocupa apenas com as aparências, isto é hipocrisia, mas aquele que crê na Lei do Senhor, celebra com dignidade o que crê, busca viver nesta coerência entre fé e vida e reza pedindo a fortaleza e a coragem para anunciar e viver todos os dias a experiência da fé, porque Deus cuida de nós e não nos quer ver longe de Seu amor mas nos exige a retidão no agir. Por isso, mesmo diante deste quadro de sombras e sem perder a esperança, é preciso estar firme para não conformar-se a este mundo (Rm 12,2), não tomar a sua forma, mas buscar viver a justiça de Deus e Sua misericórdia, buscar Sua semelhança no amor e no serviço ao próximo.
“O sol é o melhor detergente”, diziam os antigos, pois sua luz permite ver muitos dos ratos que se escondem na escuridão, mas é preciso agir e estar atentos, reafirmando os valores que nos chamam a ser sal e luz nesta terra. Por isso a frase do Papa Francisco é atual: “Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a se preocupar com a construção de um mundo melhor”. Assim, penso que podemos reforçar nesta caminhada, vivendo o mistério deste caminho até a cruz, na esperança e certeza da Ressurreição, nossas orações pelo Brasil todos os dias, pedindo também à Mãe do Senhor, neste ano mariano, sua intercessão de amor maternal pelos filhos de tantas etnias mas que em comum têm em suas raízes a marca do cristianismo que aportou nestas terras há mais de 500 anos e que precisa ser reinflamado nos corações para que a justiça e a paz sejam a realidade que todos queremos e esperamos. Que assim seja!
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Sal e Luz: No encontro com o Senhor
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